Capítulo 3

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Tenho que dizer que Will e eu ficamos amigos durante a semana seguinte, à custa do cartão de crédito do papai. Pedimos livros primeiro, porque eu era um estudante sério agora. Livros de texto, mas romances também, e versões em Braille para Will. Era muito legal vê-lo ler com as mãos. Compramos móveis e um rádio por satélite para o quarto de Will. Ele tentou dizer que não deveríamos gastar tanto, mas não discutiu com muita insistência.

Contei tudo a Will sobre Kendra e a maldição.

– Ridículo – disse ele. – Não existem bruxas. Deve ser uma doença.

– Isso é porque você não pode me ver, se você pudesse acreditaria em bruxas, Disse a ele o quanto precisava encontrar um amor verdadeiro para romper a maldição. Mesmo que ainda dissesse que não, eu acho que finalmente eu começou a acreditar.

– Escolhi um livro que você vai gostar – Will sinalizou para a mesa. Peguei o livro, O Corcunda de Notre– Dame.

– Você está maluco? Isso tem, o que? Quinhentas páginas.

Will se encolheu de ombros

– Eu dei uma olhada. Tem muita ação. Se você não for suficientemente inteligente para lê-lo, então vamos procurar outra coisa.

Mas eu o li. As horas e os dias passavam e eu lia. Eu gostava de ler nos quartos do quinto andar. Tinha um sofá antigo que empurrei até a janela. Ficava sentado durante horas, algumas vezes lendo, outras observando as pessoas a caminho da estação de metrô ou fazendo compras, as pessoas da minha idade indo a escola ou gazeando. Eu sentia como se conhecesse todos.

Mas também lia sobre o Quasimodo, o corcunda, que vivia na catedral de Notre– Dame. É claro, eu sabia por que Will tinha sugerido o livro, porque Quasimodo era como eu, encarcerado longe de todos. E no meu quarto do quinto andar, olhando por cima da cidade, eu me sentia como ele. Quasimodo observava os parisianos e uma bela garota cigana, Esmeralda, que dançava embaixo, longe dele. Eu observava o Brooklyn.

– Esse autor, Victor Hugo, deve ter sido um cara divertido – disse a Will em uma de nossas aulas. – Eu acho que eu gostaria de ir com ele a uma festa. Eu estava sendo sarcástico. O livro era absolutamente deprimente, como se o autor odiasse as pessoas.

– Ele era subversivo – disse Will.

– Por que? Porque fez que a cura fosse ruim, e que o feio fosse o bom? – Isso é parte da questão. Olha, você está pronto suficientemente para ler este livro tão longo.

– Não é um livro difícil – eu sabia o que Will estava tentando fazer – me animar a ler algo mais difícil ainda. Mesmo assim, eu sorri para mim mesmo. Nunca tinha me considerado inteligente. Alguns dos meus professores diziam que eu era, mas que não tinha boas qualificações porque não me esforçava muito, uma dessas coisas que dizem os professores e que criam problemas com seus pais. Mas talvez fosse verdade. Me perguntei se talvez ser feio me fizesse mais inteligente. Will dizia que quando as pessoas são cegas, os outros sentidos – como a audição e o paladar – ficam mais fortes para compensar. Será possível que eu seja mais inteligente para compensar a minha monstruosidade?

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