VII | respect

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🦉

— Oi.

Taehyung ignorou a umidade da grama mal cuidada do cemitério e se ajoelhou em frente ao túmulo já um tanto desgastado pelo tempo. Em silêncio, depositou as flores que tinha comprado no caminho até ali: um ramo triste de peônias murchas. Um vento frio e insistente o lembrava de que o inverno já estava ali, gélido e pontual. A passagem do tempo era apavorante.

— Já é quase Natal.

Como cresceu dentro de um orfanato católico, Taehyung tinha suas datas favoritas e as que detestava. Adorava a páscoa com seus ovos coloridos, coelhinhos de pelúcia, os chocolates gordurosos e de qualidade duvidosa que o governo mandava aos montes e que ele guardava por meses embaixo do travesseiro muito bem embalados, comendo um pedacinho por noite. Sim, adorava a páscoa e abominava o Natal.

Quando disse isso pela primeira vez tinha quatorze anos e teve que rezar quinhentas ave-marias como penitência. Os padres queriam que ele fizesse um solo no coral durante "Noite Feliz" e ele negou veementemente. Ao ser perguntado o por quê, confessou odiar a data. Não odiava o nascimento de Jesus ou coisa do tipo, nem mesmo odiava os bolos de fruta tenebrosos que as madres faziam todos os anos. Ele odiava o que o Natal representava.

Para Taehyung era como se fosse a data anual de lembrar que estava sozinho e que sempre esteve.

Nunca soube dos pais. Alguns garotos do orfanato tinham sido tirados dos pais viciados, ficado órfãos de forma trágica, abandonados por pais adolescentes... Mas só ele, apenas Taehyung, jamais teve do que sentir falta.

Nunca soube de onde tinha vindo e até mesmo seu nome foi escolhido por uma das freiras. Era como se ele tivesse surgido no mundo como um erro de cálculo, brotado nos jardins do Saint Louis como capim, já que foi encontrado ainda com o cordão umbilical no meio do canteiro de crisântemos em um dia de inverno como aquele.

Se sentia péssimo por invejar um pouco o choro sofrido de Jungkook, que sentia saudades dos pais ou de Namjoon que mesmo que não dissesse nada, costumava olhar pela janela toda véspera de Natal desejando em silêncio que os pais, agora já adultos, viessem buscá-lo.

Taehyung nunca teve pelo o que desejar. Não tinha ao que se agarrar em noites de Natal, não havia lembranças boas ou ruins. Não odiava o Natal, odiava ser sozinho.

— Comprei os ingredientes para fazer um bolo de frutas, espero que fique tão ruim quanto o seu, nonna — sorriu melancólico e acariciou as letras douradas que soletravam o nome de sua saudade: Madre Kang Sunmi, 06/02/1970 — 26/08/2002. — Namjoon está em Daegu, lembra como eu dizia que ele voltaria e você ia conhecê-lo? Um terrível desencontro — ignorou as lágrimas quentes que desceram pelo rosto corado devido a friagem. Elas eram visitas constantes quando estava ali. — Me pergunto se você me perdoou, mas sinto que se você pudesse mesmo me ouvir, diria que sou um tolo. Mas você ficaria feliz em saber que acho que estou mais religioso — levou uma mão instintivamente ao crucifixo em seu peito e sorriu por entre as lágrimas silenciosas. — Eu o roubei no seu velório, todo mundo viu. Pela primeira vez a madre Green não gritou comigo naquele coreano terrível.

Levantou os olhos encarando o céu nublado que anunciava a chegada de mais uma chuva gelada, mas de forma teimosa alguns raios de Sol transpassavam o véu cinzento de nuvens pesadas e tocavam o cenário à sua volta. Um dos raios dourados acariciava, caprichosamente, o rosto úmido do rapaz, como um consolo.

— Talvez isso esteja acabando — voltou a falar agora com o rosto virado em direção ao céu. — Espero que esteja acabando — sussurrou e viu as nuvens se moverem e, aos poucos, taparem de vez os raios mornos do Sol.

Amor Fati | VmonOnde histórias criam vida. Descubra agora