O cheiro de mofo estava no ar.A visão ainda turva presencia um homem vindo em sua direção.Ele está se recobrando do desmaio, sente as correntes esticarem seu corpo.Sua musculatura definida, resultante de exercícios durante toda uma vida , esticada fortemente pelas amarrações nos pulsos e tornozelos.O homem lhe diz alguma coisa, e ri.Ele não entende o sentido das palavras,também pouco importava. Ele vê outros homens nas mesmas condições.Amarrados, alguns dependurados , outros atrelados a estruturas de metal ou madeira, muito deles desacordados , outros tantos gritando, outros chorando, alguns clamando por misericórdia.Ele não abre a boca, conhece o procedimento.Sabe que palavras inventadas pelos deuses não tem sentido naquele local.Ali, naquele subterrâneo, o próprio Júpiter não ousaria entrar. Misericórdia?Essa era uma palavra desconhecida naquele recinto.Sente um liquido escorrer pelo corpo.É óleo de macadâmia, ele reconhece pelo cheiro.Serve para que o látego deslize de forma a doer mais do que cortar.Ouve o estalido ao longe, e a contagem tem inicio.Serão em intervalos de dez ou vinte.Mais do que isso, ele provavelmente sucumbiria, ou desmaiaria, e esse não era o propósito daquela sessão.Ali, o único propósito é a dor, o sofrimento.Quanto mais se puder manter um "verocimilis hominis" vivo, tanto melhor.Ele é um pária da sociedade, não terá absolvição, não terá clemência, está ali porque fez algo terrível aos olhos dos homens, e que aquele lugar será sua morada final, quando a morte o chamar.Até lá, sua única companhia além dos ratos e de outros pobres coitados ,é o sufrágio.A dor faz um homem lembrar, faz ele pensar.Raciocinar acerca dos desígnios dos Deuses.Eles existem?Onde estará Minerva, onde estará Saturno, Bóvia, Esmerialdes?Até o próprio Deus dos Judeus, onde estará o que chamam de salvador?Os gauleses também tem seus deuses, existem gauleses presos com ele.Chamam por Damona, Savora, Belenos e eles não respondem .Acaso estarão reunidos no Panteão, observando seus filhos serem açoitados impiedosamente até a morte, e divertindo-se com isso?Ou talvez eles simplesmente não existam, sejam frutos do medo, da inquietude humana, aquela necessidade que temos de ter esperança, de acreditar em algo.Ali, toda fé era posta a prova.E, invariavelmente, toda fé caia por terra, desabava após os dois ou três primeiros meses.Os deuses não existem.Se existem, tem medo dos carrascos, tem medo de entrar naquele lugar.E se tem medo, não são deuses, são meros fantoches nas mãos do verdadeiro deus, que mora na sombra da inquietude dos homens.O deus da insegurança, o deus da penumbra.
A primeira chicotada arde como brasa incandescente em seu abdome. A segunda parece doer mais, a mão de seu carrasco deve estar aquecendo.Recordações de outros tempos pipocam em sua mente como luzes vindas das mais distantes estrelas do firmamento.Arrependimento?Não seria possível.Um homem só pode arrepender-se daquilo que se envergonha,mas amor verdadeiro não leva á vergonha, pelo contrário,locupleta-se de orgulho.Logo a terceira chibatada, a quarta, a quinta.Ele ri.Entre gritos de dor, e risos, a contagem é o que resta.Seis, sete , oito..gritos, urros como um cão ferido nas entranhas da selva, cortam os corredores, onde encontram-se outros tantos gritos, lamentos e choros.Tudo misturado, em um só som, como se fosse um coral de moribundos incapazes, pobres diabos postos a própria sorte de seu destino.E ele ri.Ri, de seu destino.Tinha tudo, tudo que um homem poderia ter, e nunca mais terá.Pensa, enquanto ainda tem forças para manter-se acordado, o quanto foi feliz, mesmo que por pouco período de tempo,pensa que valeu a pena;que não será possível dobra-lo,por mais que seja ferido.Nove...Dez...Agora já não raciocina.A partir daí, o choro lhe corre pelos olhos ressecados pelo tempo sem ver a luz.Onze, doze,treze,uma triste e aparentemente infinita contagem, até a inevitável perda de seus sentidos.
A escuridão toma corpo, e ele acorda em um segundo momento.Está deitado em palhas, e ve alguém se aproximando.Ele reconhece a voz, mas não pode ver o rosto.A penumbra, aliada ao torpor da vista impossibilita o reconhecimento visual.Mas ele pode distinguir as palavras."Não vai me dizer onde Modicus está?Sabe que irei encontra-lo,nem que demore a eternidade procurando!Diga, e prometo que te mato agora mesmo, uma morte de soldado,não que a mereça.Estará livre de todo esse sofrimento.Apenas me diga onde ele está.Sei que um verme como você sabe.
Nã...Não.Mate-me logo.
-Sabes, velho companheiro de armas,que enquanto eu viver, tudo o que você teve ou almejou um dia ter, será tirado por mim.Sua mulher, seus amores, sua casa, sua mãe, seus cachorros, seus títulos, seus filhos, sua vida.Tudo pertence a mim .A você, cabe apenas a casa maestra.Não quer falar?Ótimo.Como já deve ter notado,eu sou um homem paciente.A vitória final será minha, nem que leve a eternidade.Divirta-se no potro Bilidius, pois nunca mais em sua miserável vida se verá longe dele.E enquanto você estiver aqui sofrendo seu puto, eu estarei a espreita,a tirar-te tudo.Tudo! "
Tirar tudo...tudo..
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Campos de Algodão
RomanceCarlos Roberto é um homem bem-sucedido do ramo da construção civil.Tem uma bela esposa, lindos filhos, e uma situação financeira que lhe confere comodidade.Mas após o falecimento de sua esposa, seu mundo começa a desmoronar.Sua personalidade cética...