Capítulo XIV

2 1 0
                                    


Após a partida de Filipe, o quotidiano em ambos os pisos da casa que abrigava a alegre menina, prosseguiu com normalidade. Nenhum incidente dramático assolou os envolvidos na cena do moinho.

Dois fins-de-semana depois, Isabel comentou pesarosa com Victor:

– Estou a engordar. Preciso de fazer mais exercício!

– Porque não te juntas a mim na corrida?

– Eu sou mais de caminhar a passo. Acho que nem sei correr...

– Experimenta. Fazes pequenos percursos e vais aumentando. É a melhor forma.

– Está bem. Convenceste-me. Amanhã começamos?

– Passo por tua casa às sete horas.

No dia seguinte, Isabel conseguiu fazer os primeiros cinco minutos com alguma destreza, devido estar habituada a caminhar durante alguns quilómetros a um determinado ritmo acelerado, porém a partir daí começou a ficar extenuada.

Entre fôlegos avisou:

– Tenho de parar! Uff!

– Não pares já! Abranda um pouco. Correto. Isso mesmo. Voltamos para trás a correr e depois eu sigo de novo.

– Desculpa!

– É normal. O teu problema está na respiração. Tens de treinar...

Como raramente se dava por vencida, nas três semanas seguintes, Isabel levantou-se diariamente mais cedo, em segredo. Queria surpreender o seu querido e, mormente, a si própria. Lá pelas sete horas, treinava um pouco a corrida no quarteirão, que naquela hora possuía muito pouco trânsito, tomava o chuveiro e o pequeno almoço e ia trabalhar, com muito mais vigor do que antes, embora nas horas seguintes sentisse a presença de músculos que nem sabia que existiam.

Desta forma, foi conseguindo aumentar o percurso, recuando, cada vez para mais cedo, a hora de acordar.

Quando sentiu que a sua capacidade de corrida estava mais próxima da do companheiro, desafiou-o num sábado de manhã.

– Querido, hoje posso ir contigo correr?

O início da resposta foi uma gargalhada:

– Podes... Fazemos o mesmo esquema da outra vez. Pensei que tinhas desistido!

– Combinado.

O tempo desenrolava-se envolto numa melancólica morrinha. O sol de primavera escondia-se atrás de um teto de nuvens cinza.

Cinco minutos depois, Victor espreitou pelo canto do olho para a namorada e ficou algo surpreso por vê-la prosseguir confortavelmente a seu lado. Foi observando-a, cada vez mais atónito, até chegarem a uma meia hora de exercício.

Nessa altura a companheira avisou-o, sorrindo:

– Este é o meu limite. Vou voltar. Continua...

– Pareces estar bem. – comentou o namorado satisfeito.

– Muito bem. Até logo!

Num espaço de dois meses, levantando-se às seis da manhã, Isabel já conseguia praticamente acompanhar Victor sempre que este se deslocava, ao fim de semana, para uma grande extensão de parque que ficava a poucos quilómetros das suas casas e voltar sem esforços estrondosos. Todavia, ao chegar à zona protegida, fazia questão de caminhar apressada sob o arvoredo, não se deixando arrefecer, querendo não só disfrutar mais intensamente da natureza, mas igualmente dar algum descanso ao seu corpo, enquanto o parceiro continuava a correr, dando duas voltas seguidas na área, juntando-se à parceira depois, para a corrida de regresso.

ESPUMA DO MAROnde histórias criam vida. Descubra agora