No final de setembro, Marco debatia-se com a impotência gerada pelo tédio da inação e pelo fato de não se sentir útil.
Aproveitando o seu estado ainda caótico, a necessitar de muita fisioterapia, sabendo que a organização precisava de mais mão-de-obra urgente, contactou os diretores e propôs-lhes um esquema de funcionamento para se apresentar de imediato ao serviço. Neste contexto, ofereceu-se para fazer, não só a investigação dos casos por detrás da secretária, como técnico-consultor e não como agente de campo, mas igualmente contribuiria para o reforço do treino dos colegas mais inexperientes que acabavam de terminar a formação na organização.
Este esquema foi aceite de imediato e veio a mostrar-se, num futuro próximo, como uma situação ideal para a organização. Por seu lado, Marco garantira igualmente o seu futuro e a conservação daquilo que gostava realmente de fazer, a investigação, sem ter a enorme desvantagem de se envolver fisicamente com cenários violentos. Além disso, neste contexto, não teria de se deslocar permanentemente, apenas numa situação ou noutra.
O seu objetivo de vida tinha mudado em função dos novos relacionamentos que fluidamente o cativavam e preenchiam.
O companheirismo entre Ana e o convalescente tinha-se consolidado. A mãe de Teresinha ia, assiduamente, a casa dele para acompanhá-lo e levar-lhe saborosas refeições confecionadas pela mãe ou por ela própria. Fazia-se acompanhar sempre pela filha, a qual corria para abraçá-lo, mal entrava. Nenhum deles revelou ao outro o que lhe ia no pensamento, porém quando os três se encontravam, degustavam de uma união completa, tal como o núcleo familiar perfeito de um casal com uma filha.
∞
Como Rubelo não dava sinal de vida, o grupo de familiares e amigos mais chegados foi relaxando com o passar dos dias. As investidas de Paulo passaram a ser vistas de ânimo mais leve.
Naturalmente, cada um à sua maneira foi prosseguindo com a sua vida, exceto Ana, Marco e Izô que subsistiram na senda de avançar em permanente estado de sobreaviso, mantendo-se sempre em contacto diário uns com os outros.
No princípio da noite de um sábado, quando o outono marcou a sua entrada, Ana encontrava-se no atelier acabando uma tela, enquanto a animada Tété brincava às casinhas, falando baixinho consigo mesma e com a sua companheira Vodka. A cadela entrava sempre nas suas brincadeiras, porém ia aproveitando para dormitar, nos períodos mais pacíficos.
Os avós da menina tinham-se ausentado para a quinta de uns amigos, longe da cidade, com vista a regressar daí a dois dias.
Subitamente, a cadela que parecia estar a dormir, levantou-se e ladrou fortemente, voltada para a entrada que dava para o piso de cima, seguindo o mesmo padrão que exibira antes, sempre que Rubelo se aproximava dali.
Ana ficou apavorada.
Pegou no telemóvel e clicou no número de Marco. O agente não atendeu. Lembrou-se que este tinha-a avisado que iria ficar umas horas incomunicável, por motivo de trabalho. Como Filipe estava em viagem com a namorada e a irmã mais os amigos encontravam-se na casa de campo, ligou para Izô.
Mal o mestre dos bonsais atendeu, avisou aos tropeções que "ele" deveria estar lá em cima em casa dos pais.
Goku, preocupadíssimo, aconselhou-a a fechar-se na casa de banho com Teresinha mais Vodka e levar uma cadeira para entalar a maçaneta da porta, dizendo antes de desligar:
– Vou já! Vou para aí!
Ao sentir a mãe a puxá-la pela mão, a menina indagou pausadamente:
– Que foi, Mamã?
– Vamos fazer um jogo, está bem? – respondeu a jovem nervosamente.
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ESPUMA DO MAR
RomansaUm grupo de pessoas vê-se envolvido numa estória de ambiguidade e de perigo iminente. Amores, desamores, novas amizades, a alacridade de uma criança e a sabedoria de um ancião dão cor ao enredo.