Capítulo XVI

2 1 0
                                    


O Natal chegou e, com este, a azáfama habitual dos preparativos.

Ocupada com os seus quadros, os quais se vendiam melhor nesta época do ano, devido às tradicionais prendas trocadas, Ana afadigava-se no seu atelier a procurar dar resposta a várias encomendas. A filha encontrava-se, nesse momento, no piso de cima em casa dos avós.

Teresinha ampliara o seu leque de palavras e já conseguia exprimir-se entendivelmente, misturando-as com uma gesticulação convincente. Percebia tudo o que lhe diziam. Era muito expressiva e inteligente.

– Vóvó!... ummm!

– Sim, querida? Não entendo o que queres dizer...tens alguma coisa no queixo?

A criança acenou negativamente, pegou na mão da avó e puxou-a para a cozinha. Quando pararam junto do frigorífico, Tété apontou para lá e para o seu queixo, dizendo:

– Umm! Umm!

– Queres alguma coisa daqui?

– Xim!

Abrindo o frigorífico, a avó viu a menina a apontar para uma das prateleiras de cima e depois, novamente para o queixo.

– Minha linda, temos aqui manteiga, compota, queijo...

Teresinha deu um passo à frente entusiasmada, voltando a apontar para a prateleira, acenando afirmativamente com a cabeça.

A avó finalmente percebeu, no meio de gargalhadas.

– Queres queijo?

– Xim! – respondeu, contentíssima, apontando para o queixo dela.

Esta anedota circulou, mais tarde, por todos os familiares e amigos. Por brincadeira, quando alguém se referia a queijo, apontavam para o queixo.

"Lipe" e "Maco" eram os seus preferidos, entre os homens que a criança conhecia. Filipe e Marco viam-na assiduamente em casa de Izô, assim como em todos os encontros, das quais passaram a fazer parte. Ana pretendera incluir também Goku nas reuniões de familiares e amigos, convidando-o, porém, o idoso desculpou-se afirmando que preferia o sossego do seu lar.

A conversa que Izô propusera a Ana quando estivesse pronta, não tivera ainda lugar, contudo a pintora sentia que o mal de que tinha vindo a sofrer se ia esbatendo, até notar que, praticamente, já não pensava em Paulo.

Como naquela tarde, chovia torrencialmente, Vodka encontrava-se na cave, junto de Ana, no tapete da sua eleição, dormitando. De repente, elevou a cabeça colocando as orelhas em escuta. De seguida levantou-se lesta, foi até à porta de entrada e, subitamente, começou a ladrar desalmadamente, dando voltas, choramingando, com o rabo a abanar, voltando a ladrar com afinco.

Ana assustando-se com esta manifestação tempestuosa, aproximou-se dela, procurando sossegá-la:

– Que aconteceu, linda? Vodka! Vodka! Calma!

Com a mão na coleira dela, decidiu entreabrir a porta para averiguar o motivo daquela atitude excessiva, tão pouco usual. Vodka puxou com tanta força que acabou por soltar-se e, empurrando a porta, correu para o exterior, impetuosamente, pisando um saco plástico transparente que continha um pequeno embrulho coberto de papel cor-de-rosa, de uma loja de brinquedos conhecida.

Ana chamou Vodka, que continuava a ladrar e a latir, mas não quis aventurar-se para as cascatas de água que caiam copiosamente do céu.

Nesse mesmo momento, o avô de Teresinha, lia o jornal lá em cima no seu escritório, junto à janela. Testemunhou a atitude de Vodka, cheia de lama, completamente desaustinada, ladrando para o muro que protegia o jardim da rua.

ESPUMA DO MAROnde histórias criam vida. Descubra agora