Capítulo XII

1 1 0
                                    


No dia seguinte, as duas irmãs, mais a animada Teresinha, partiram duas horas após Francisco ter arrancado, em direção à cidade.

Filipe, resolveu ir de imediato à vila procurar saber quem eram os donos do moinho. Por sorte, optando por ir indagar primeiro no café do centro do aglomerado de casas, entendendo ser o melhor sítio para ficar a par do que pretendia, deparou-se com os próprios donos ali mesmo, olhando-o por detrás do balcão. Os donos do café eram igualmente os proprietários do imóvel. Ficaram muito surpresos quando Filipe os informou de que o pai tivera de viajar com a família urgentemente para o estrangeiro, por motivo de doença de um outro familiar que necessitava do apoio deles. Os donos olharam um para o outro, desconfiados, contudo fingiram ter aceite a história.

Afinal, todo o recheio da habitação, desde os móveis à roupa de cama, toalhas e louças pertenciam ao moinho. Paulo apenas tinha construído as estantes da sala para guardar os livros, que eram dele. A pedido do jovem, deram-lhe umas quantas caixas de cartão para o filho de Paulo poder levar os pertences do pai e informaram que bastava deixar a chave debaixo do tapete, quando se fosse embora.

Filipe decidiu escolher apenas os livros que lhe interessavam, algumas instalações móbiles criadas por Paulo, várias esculturas em madeira e os quadros dele que estavam arrumados numa despensa mais a tela que tinha a assinatura de Ana. Deixou as roupas do pai e tudo o resto, incluindo as ferramentas sobre as quais ficou na dúvida se seriam dele ou não, mas como para Filipe não faziam falta e não tinha onde as guardar, ficaram para trás.

Quando estava em cima de um banco, retirando uma das artísticas instalações bamboleantes presas no teto, uma das pequenas peças soltou-se e caiu no chão, saltando para debaixo do sofá. Espreitou e comentou alto:

– Chiça! Tinhas de cair para debaixo do sofá! Olha, afinal são duas peças!

Com pressa, arrumou-as numa das caixas e prosseguiu com a recolha.

Cerca das cinco da tarde, o sol estava já a pôr-se. Filipe partiu, exausto, com o jipe apinhado de caixas.

Nenhum incidente, com visitas inoportunas, se manifestou durante a sua permanência no moinho.

Antes de arrancar, olhou mais uma vez tristemente para o sítio, onde estivera mais próximo do que nunca do pai, para desditosamente perdê-lo quase logo a seguir.

Todavia, fiel à sua personalidade otimista, logo pensou em Ana e principalmente em Teresinha e concluiu:

– Eu fiquei a ganhar. O meu pai é que perdeu!

A algumas dezenas de quilómetros do moinho, Ana instalava-se na nova casa, com a ajuda da irmã e da mulher-a-dias, Luísa, a qual estava nesse dia, a limpar a casa dos pais.

Antes de saírem de manhã, à última da hora, Dalila lembrou-se de irem buscar o berço, dado que este iria dar muito jeito à irmã, ignorando os comentários dela em não querer ficar com nada do fugitivo. Fora o pai da menina que fizera a caminha de balouçar com grades, em madeira clara, imitando os modelos antigos e esculpira em baixo-relevo dois anjos sorridentes na cabeceira. Com a ajuda de Filipe, lá conseguiram metê-la no banco traseiro da viatura, colocando sacos dentro, mais um saco maleável de roupa a entalar por fora, para que esta não caísse para cima da cadeirinha da bebé, durante a viagem.

Os avós da criança ainda não tinham vindo das miniférias. Regressariam daí a dois dias e iriam apanhar a valente surpresa de terem agora mais duas pessoas, muito especiais, bem perto deles.

No dia a seguir, Dalila foi visitar a irmã e a sobrinha, levando uma coisa ou outra, útil, para que ficassem mais confortáveis.

– Ana, já pensaste como vais fazer para conjugar o teu trabalho com a Teresinha?

– Penso que a mãe ficará muito contente, por agora, em tomar conta dela quando eu tiver de sair. Como lá nas restaurações já os habituei a trabalhar em casa, não vai haver diferença. Daqui a uns tempos, quando ela tiver de ir para o jardim-escola e os gastos forem maiores, terei de arranjar mais outra fonte de subsistência... – encolheu os ombros, sorrindo tristemente para a irmã.

Dalila ousou abordar o tema tabu, para se inteirar de como a jovem se estaria a sentir interiormente. Parecia estar a acolher a situação com tranquilidade externamente, mas a irmã mais velha conhecendo-a bem, estranhava esta atitude.

– Sentes a falta dele?

– Muito! Penso nele a cada momento, mas obrigo-me a recordar que nos abandonou e que me mentiu desde sempre, para ver se o esqueço. Infelizmente a irritação dura pouco e vêm logo a seguir as lamentações...

– Sabes? Estive a pensar numa coisa... e até já comentei com o Francisco que acabou por concordar comigo. Já reparaste que a nossa casa de campo nunca foi assaltada antes? Já a temos há três anos... E logo no espaço de uma semana, depois de conhecermos o Paulo, a portada da cozinha foi estroncada. Não achas estranho?

– Sim... pensando bem. Mas não entendo muito bem aonde queres chegar.

– Será que o Paulo causou isso para irmos lá e conseguir seduzir-te?

– Não sei... Mas qual seria vantagem para ele? Lembro-te de que tu foste uma das pessoas que mais me atirou para os braços dele. Nessa altura eu fui bem fria com ele.

– É verdade.... Lamento isso a todo o momento desde que ele... fugiu. Enganei-me redondamente.

– Enganou-nos a todos! Ninguém viu como ele era verdadeiramente. Eu devia ter seguido a minha intuição e não a lógica. Mas com as minhas inseguranças segui o que toda a gente me estava a dizer...Lembras-te de eu ter muitas reservas em relação a ele? Eu topei logo que ele era extremamente inteligente e que nos manipulava com muita facilidade.... Talvez tenhas razão quanto ao fato de ele nos ter obrigado a ir lá, sabendo que eu te iria acompanhar. Lembro-me perfeitamente de teres dito num dos encontros que não gostavas de conduzir e que me usavas como teu chofer. Recordas-te?

– Sim. Foi mesmo! E o Francisco comentou com o Paulo que iria para fora nessa semana!... O sacana! Eu penso que ele estava farto de viver isolado e escolheu-te. Tu representavas o que ele não tinha. Companheirismo ingénuo e honestidade.

– Eu acho que ele me usou como camuflagem. Uma família exemplar... Se bem que, tenho de dizer... Ele não recebeu com muito entusiasmo a notícia da minha gravidez.

– Ai não?

– Não. Agora é que eu vejo que ele depois disfarçou, quando viu a minha desolação.

– Não sei... O Rubelo parecia gostar verdadeiramente de ti e, da filha nem se fala.

– Eu também assim pensava, mas agora não sei nada. O romantismo que eu ainda acreditava existir na vida foi-se todo. Agora tenho de ser prática e viver cada momento o melhor que conseguir.

Dalila, fitou-a com ar benevolente. Não acreditava que Ana fosse conseguir viver sem um laivo de romantismo e de esperança. Fora assim desde sempre uma sonhadora.

Para dar-lhe força afirmou:

– Tu vais conseguir dar a volta. Garanto-te!

– Espero que sim...

A expressão melancólica da irmã mostrou a Dalila que ainda haveria um grande percurso pela frente a encetar. Ana não se iria recompor tão cedo. Contudo, havia um fator a seu favor: estava a tentar levar a situação sem negativismo. Nesse aspeto, a irmã tinha mudado.

ESPUMA DO MAROnde histórias criam vida. Descubra agora