O cheiro fresco de café invadiu meu nariz quando cheguei na cozinha, ajeitando minha blusa de botões colorida.
As coisas haviam melhorado, de certa forma.
A mãe de Grace voltou para nosso bairro, sem o marido, obviamente e ela ainda odiava a minha mãe. Com razão, claro. Grace e Eu tínhamos liberdade para nos ver mas somente na escola.
E isso já fazia mais de um mês.
Eu percebi que a veia da testa de minha mãe parecia aumentar cada vez mais. Ela escondia as olheiras enormes por baixo de várias camadas de corretivo da Mac.
Meu pai havia voltado para Portland também, mas morava em outro bairro aqui por perto. Ele vinha nos visitar de vez em quando e aproveitava para espiar minha mãe corrigindo as provas.
Peguei uma xícara quente de café e um bagel de cima da bancada. Tristan estava com o cabelo embebido em gel e eu comecei a rir.
Minha mãe se virou.
-Hoje seu pai vem aqui.
Senti o café queimando minha garganta.
-Ele só não viria sábado?
Senti a tensão na veia de minha mãe e ela jogou um pano de prato sobre a bancada.
-Ele quer conversar com vocês dois...e comigo.
Tristan franziu a sobrancelha, sem entender praticamente nada sobre o assunto.
Terminei meu bagel e fui escovar os dentes, me despedindo de Tristan e minha mãe com um beijo na testa antes sair pela porta da frente e dar de cara com Grace.
A alça de minha mochila escorregou de um dos ombros.
-G-Grace? O que faz aqui?
Ela deu mais um passo, medindo a linha tênue entre nossos corpos e as batidas de nossos corações.
-Eu convenci minha mãe a me deixar mais cedo na biblioteca e vim andando para cá.
Pisquei diversas vezes antes de responder algo.
Grace e Eu estávamos em uma situação delicada e nossos sentimentos uma pela a outra a flor da pele. Com todo esses distanciamento e confusão, não nos víamos diariamente e nossa única maior fonte de comunicação era o WhatsApp.
-Poderíamos ir juntas?
Pisquei outra vez.
-Claro!
Ao virar na esquina da rua Peyton, Grace pegou na minha mão e tive a sensação de ver mil estrelinhas em minha visão por um momento.
-Esse final de semana devo ir para Eugene ficar com o meu pai. Você gostaria de ir?
Pensei por um instante.
-Jonathan vem nos ver aos sábados...
A expressão de Grace mudou completamente.
-Mas ele vem hoje a tarde também, então...
Senti suas duas mãos em meu pescoço e quase tropecei para trás quando senti sua boca na minha.
-Nós vamos poder ficar juntas. No meu quarto.
Imediatamente um rubor subiu por minhas bochechas e senti elas queimarem. Os olhos de Grace sorriram.
O time de Lacrosse tinha voltado ao normal. A treinadora estava muito satisfeita com a volta de Grace à equipe e estávamos ansiosas para o jogo na sexta contra as Twins, da escola adversária.
A treinadora Cathy estava pegando pesado. Treinávamos duas horas a mais do que o normal e nossa dieta era programada por ela.
Abaixei para amarrar meu tênis e senti Kristin do meu lado.
-O que tá rolando entre vocês duas?
Espiei Grace pelo canto do olho no outro lado do campo e abafei uma risada nervosa.
Tecnicamente, esqueci de mencionar que Grace e eu meio que namorávamos para as outras meninas. E preferíamos assim por enquanto.
-Do que você tá falando?
-Qual é, Amy? Eu vejo o jeito que vocês se olham.
-Eu realmente não faço ideia, Kristin.
Kristin bufou.
-Quando você quiser sair do armário e assumir aquele mulherão ali, vamos estar de braços abertos.
Senti meu rosto corar novamente.
O apito da treinadora ecoou em nossos ouvidos e senti meu tímpano tremer.
-Eu preciso de toda a atenção voltada para mim agora, está bem? O jogo é nessa sexta e eu preciso de todas focadas. Então, por favor! Não me façam se arrepender de ter escolhido cada uma de vocês! - ela apontou dois dedos para todas nós, principalmente para mim.
Na volta para casa, a mãe de Grace infelizmente a buscou na porta do colégio, lançando um olhar fulminante para mim.
Ao destrancar a porta da frente, o cheiro de Jack Daniel's subiu pelo meu nariz e eu sabia que meu pai estava lá antes mesmo de me virar.
Tristan brincava em seu colo e ele parecia à vontade, com sua camiseta de flanela e calças Levi's rasgadas nos joelhos. Havia um buraco em um dos bolsos de sua camiseta e eu imaginei minha mãe reclamando daquilo em uma época diferente.
-Amy!
Sorri timidamente, ainda um pouco receiosa pela presença dele novamente em nossa casa. E em nossa vida.
-Jonathan.
Ele abriu um sorriso enorme com sua fileira perfeitamente alinhada de dentes brancos. Infelizmente, não tive a mesma sorte e usei aparelho por 5 anos.
-Sua mãe está na cozinha.
Senti o segundo aroma que me lembrava imediatamente de meu pai.
-Você está fazendo salmão grelhado?
Minha mãe não conseguiu esconder a timidez na voz, ao olhar para mim e imediatamente para meu pai.
-Eu queria fazer algo...
-Para ele? Mãe? O que está acontecendo?
Meu pai se encaminhou para a cozinha.
-Amy, eu vou voltar para casa. Sua mãe e eu conversamos. Não será fácil depois de todos estes anos mas estou disposto a tentar por vocês.
Um sentimento estranho tomou conta de mim e senti um gosto horrível de bile no estômago.
-Eu carreguei essa mágoa por tanto tempo e perdi muita coisa. Principalmente vocês dois.
Senti uma lágrima escorrer pela minha bochecha e uma vontade incontrolável me fez abraçar meu pai, sentindo o cheiro de Jack Daniel's e charuto no bolso esburacado.
Meu pai havia voltado para casa mesmo depois de minha mãe o ter traído com seu melhor amigo. Não que eu estivesse a crucificando, mas não saberia o que fazer se estivesse em seu lugar. Meu pai tinha se afastado durante tantos anos com esse segredo. Eu só queria pensar na sensação boa que é ter ele de volta. E no quão ruim deve ser tudo isso para eles dois.
Senti meu telefone bipar no bolso e vi o nome de Grace na tela.
-Eu preciso te ver.
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BROKED - Concluída
RomanceAmy Thomas sempre teve uma grande curiosidade sobre sua orientação sexual, e Grace Ramirez chega para confundi-la ainda mais. Com seus all star sujos e blusas polo, Amy é muito mais do que uma jogadora de Lacrosse competitiva. Mas a competição se en...