Capítulo 16

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Através do Vitral Prt.2

Mamãe é esbelta, de cabelos negros enrolados em um coque, olhar doce e voz firme. O Sr. Edgar é atrapalhado, volta e meia quebra uma porcelana, mas é um homem bom e um bom amigo, ajuda mamãe ficar de olho em mim.

Ao longo desse tempo que estou reclusa, observei coisas estranhas na mansão. Várias vezes coloco minhas coisas em um lugar e elas aparecem em outro ou somem. Eu vivo aqui há tanto tempo que poderia jurar que essas paredes eram azuis. Eu sou um pouco supersticiosa, porém mamãe não é, ela diz que sou esquecida e bagunceira, apenas isso. Eu sei que não é somente isso. A única coisa que não muda é o vitral. Lindo. Com a chegada dos Blaters, pela janela eu via Camila, filha única do casal, brincar no pomar, mas eu não podia ir até lá. Sempre a observava. Até que um dia ela acenou para mim, e assim começou nossa amizade. Camila vinha quase todos os dias em meu quarto para brincarmos, nós fazíamos desenhos e conversávamos.

Ela gostava do meu vestido lilás e da presilha com uma pequena margarida na ponta que eu usava, dizia que combinava com minha pele clara e meus longos cabelos castanhos. Camila também era bonita, com seu cabelo cor de fogo e seus grandes olhos mais azuis que o céu, só ficaria mais bonita se ao invés de usar calças comprimidas, usasse um vestido bem florido. Papai dizia que meninas são princesas e princesas se vestem de flores, disso eu me lembro bem.

Camila me contava sobre coisas lá de fora. Disse que na casa rosa, à esquerda da minha janela, morava uma senhora de cinquenta e poucos anos, vivia sozinha, sem marido e nem filhos, chamava-se Ilda. Além de muito querida, tinha um belo jardim com muitas flores coloridas que exalavam um perfume que enchia a alma de felicidade. Disse que contou sobre nossa amizade a ela e também que eu gostava muito de flores, contou minha história e como eu vivia, ela se emocionou, disse Camila. Dona Ilda relatou que já havia me visto, observando o dia através do vitral. E penso que também já posso tê-la visto passeando.

Em um determinado verão, os Blaters receberam Marcos e Felipe, sobrinhos do casal que passariam as férias, e junto com eles veio Joli, a cadela mais bonita que já vi, uma grande Border Collie marrom e branca.

Enquanto os meninos estavam na casa, nossos encontros eram menos frequentes. Camila dizia que precisava me proteger deles, pois eram monstrinhos que não fariam bem a mim. Pediu que eu ficasse longe deles, e que ela precisava dar atenção aos primos. Então eu descia sorrateiramente alguns degraus do primeiro de dois lances, da grande escada de madeira maciça que levava até o primeiro andar da casa, sem que mamãe e Camila me vissem e espiava. Adorava ver Joli pulando nos garotos, gostaria de poder brincar assim, mas acho que ela não gostava de estranhos, toda vez que tentei me aproximar, mesmo escondida, Joli enlouquecia latindo. Nada de cachorros para mim.

Mamãe nunca soube de meus encontros com Camila e nem de meus passeios pela casa, ficaria furiosa, e o Sr. Edgar fazia vistas grossas ao me ver escondida pela casa, apenas dizia "cuide-se pequenina". Ele tinha problemas maiores, não saía da cozinha. Acho que os Blaters comiam muito. O Sr. Edgar não apreciava nem um pouco que mexessem em suas panelas e utensílios. Volta e meia se emburrava e escondia as coisas como se fossem suas e não de seus patrões. Tinha verdadeiro horror daqueles meninos entrando e saindo de sua cozinha. Por esse, motivo aproveitava a noite pra fazer as devidas faxinas sem ser interrompido, quando teoricamente a casa estava mais tranquila.

Nessas minhas descidas, notei que a decoração estava diferente, mas ainda era imponente. A grande sala, logo ao pé da escada principal, tinha um ar meio sombrio, as portas eram bem altas, quase no teto, as janelas eram amplas e vestidas com lindas cortinas pretas e pesadas que iam até o chão e através delas via-se todo o belo gramado. Logo ao lado na sala de jantar, havia um belo lustre de cristal pendurado sobre uma mesa elegante com muitos lugares. À frente, um longo corredor onde podíamos ver algumas portas, a maior e que estava sempre entreaberta era a da cozinha. Do lado inverso, víamos o lavabo e outras duas portas que hoje eram escritório e lavanderia, mas antigamente eram nossos aposentos. Todos os cômodos eram imensos, principalmente ao meu olhar, o que dava a impressão da mansão ser maior ainda. No andar de cima, cinco quartos e um banheiro muito espaçoso e, por fim, logo após outro corredor, nosso quarto. Em uma de minhas investidas para observar as crianças, escutei uma conversa entre elas. Marcos comentou com Felipe:

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