Capítulo 46

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Aqueles que moram sob as tumbas Prt.1

Acordei subitamente e me sentei na cama, me perguntando sonolento quem batia tão violentamente à porta, ameaçando despedaçar os painéis. Uma voz guinchava, intoleravelmente aguçada, como se por terror louco.

– Conrad, Conrad! – alguém guinchava do outro lado da porta. – Pelo amor de Deus, deixe-me entrar! Eu o vi! Eu o vi!

– Parece ser Job Kiles – disse Conrad, erguendo sua longa estrutura do divã onde estivera dormindo, após ter cedido sua cama para mim. – Não derrube a porta! – ele gritou, procurando por seus chinelos – Estou indo!

– Bem, apresse-se! – gritou o visitante invisível – Acabei de olhar para dentro dos olhos do Inferno!

Conrad acendeu uma luz e abriu rapidamente a porta; e, numa figura meio caída, meio cambaleante e com olhos desvairados, reconheci o homem a quem Conrad chamara de Job Kiles – um homem rançoso e miseravelmente velho, que vivia na pequena propriedade vizinha à de Conrad. Agora, uma mudança pavorosa acontecera com o homem, normalmente tão reservado e  senhor de si. Seu cabelo ralo estava totalmente eriçado; gotas de suor lhe brilhavam na barba cinza e, de tempos em tempos, ele tremia como se de uma febre violenta.

– Em nome de Deus, o que houve, Kiles? – exclamou Conrad, encarando-o – Você parece que viu um fantasma!

– Um fantasma! – a voz elevada de Kiles estalou e caiu num guincho de risada histérica – Eu vi um demônio do Inferno! Eu lhe digo, eu o vi esta noite! Há apenas alguns minutos! Ele me olhou pela minha janela e riu para mim! Oh, Deus, aquela risada!

– Quem? – Conrad perguntou brusca e impacientemente.

– Meu irmão Jonas! – gritou o velho Kiles.

Até Conrad se sobressaltou. Jonas, irmão gêmeo de Job, havia morrido há uma semana. Tanto Conrad quanto eu tínhamos visto seu cadáver ser colocado na tumba, no alto das inclinações íngremes das Colinas de Dagoth. Eu me lembrava do ódio que existira entre os irmãos: Job, o avarento, e Jonas, o esbanjador, que passou seus últimos dias em pobreza e solidão, na velha e arruinada mansão da família, nos declives mais baixos das Colinas de Dagoth; todo o seu veneno pairando sobre sua alma azedada, que se centrava no irmão sovina que morava numa casa própria, no vale. Este sentimento havia sido recíproco. Até mesmo quando Jonas estava morrendo, Job havia, de má vontade, se permitido ser convencido a ir até seu irmão. Enquanto isso ocorria, ele havia estado sozinho quando este último morreu, e a cena de morte deve ter sido horrenda, pois Job havia corrido para fora da sala, trêmulo e com o rosto pálido, perseguido por uma horrível crepitação de risada, quebrada bruscamente pelo súbito estrépito de morte.

Agora, o velho Job tremia diante de nós, o suor lhe escorrendo da pele acinzentada e balbuciando o nome de seu irmão morto.

– Eu o vi! Eu me levantei e sentei esta noite mais tarde que o usual. Assim que apaguei a luz para ir à cama, seu rosto me olhou malevolamente através da janela, emoldurado pelo luar. Ele voltou do Inferno para me arrastar para baixo, como jurou fazer enquanto morria. Ele não é humano! Há anos, ele não era! Suspeitei disso quando ele retornou de sua longa perambulação no Oriente. Ele é um demônio em forma humana. Um vampiro! Ele planeja me destruir corpo e alma!

Fiquei mudo e totalmente perplexo, e até Conrad não encontrou palavras. Confrontado pela aparente evidência de completa loucura, o que dizer ou fazer? Meu único pensamento era o de que Job Kiles estava obviamente insano. Ele agora agarrava Conrad pela gola de sua roupa de dormir, e o sacudia violentamente na agonia de seu terror.

– Só há uma coisa a ser feita! – ele gritou, com a luz do desespero em seus olhos – Devo ir até a tumba dele! Preciso ver, com meus próprios olhos, se ele ainda jaz lá, onde o enterramos! E vocês devem vir comigo! Não ouso atravessar sozinho a escuridão! Ele pode estar esperando por mim... jazendo à espera, atrás de alguma sebe ou árvore!

– Isto é loucura, Kiles! – advertiu Conrad – Jonas está morto... você teve um pesadelo...

– Pesadelo! – sua voz se ergueu a um grito estalado – Tive vários, desde que fiquei ao lado de seu maligno leito de morte, e ouvi as ameaças blasfemas escorrerem como um rio negro de seus lábios espumantes; mas aquilo não foi sonho! Eu estava completamente acordado, e eu lhes digo... eu lhes digo que vi meu irmão-demônio Jonas, me olhando malévola e horrendamente através da janela!

Ele torceu as mãos, gemendo de terror, com todo o seu orgulho, compostura e equilíbrio varridos por terror total, primitivo e animal. Conrad me olhou de relance, mas eu não tinha sugestão a oferecer. O assunto parecia tão completamente insano, que a única coisa óbvia a fazer parecia ser chamar a polícia e mandar o velho Job para o manicômio mais próximo. Mas havia, em seus modos, um terror fundamental que parecia atingir até mesmo a sensação ao longo de minha espinha.

Como se sentindo nossa dúvida, ele voltou a gritar:

– Eu sei! Vocês acham que estou louco! Estou tão são quanto vocês! Mas estou indo até aquela tumba, se eu tiver que ir só! E, se me deixarem ir só, meu sangue ficará em suas consciências! Vocês irão?

– Espere! – Conrad começou a se vestir apressadamente. – Nós vamos com você. Acho que a única coisa que destruirá esta alucinação é ver seu irmão no caixão dele.

– Sim – o velho Job riu terrivelmente. – Em sua tumba, no caixão sem tampa! Por que ele preparou aquele caixão aberto antes de morrer, e deixou ordens para que nenhum tipo de tampa fosse colocado sobre ele?

-–Ele sempre foi excêntrico – respondeu Conrad.

- Ele sempre foi um demônio – rosnou o velho Job. – Nós nos odiávamos desde a juventude. Quando ele desperdiçou sua herança e voltou rastejando, paupérrimo, ele se ressentiu porque eu não queria dividir com ele minhas riquezas tão duramente adquiridas. Aquele cão negro! Aquele demônio das covas do Purgatório!

– Bom, vamos ver logo se ele está em segurança na sua tumba – disse Conrad. – Está pronto, O’Donnel?

– Pronto – respondi, prendendo ao coldre minha pistola 45. Conrad riu.

– Não consegue esquecer sua criação texana, hein? – ele gracejou. – Acha que pode ser chamado para balear um fantasma?

– Bom, você não sabe dizer – respondi. – Não gosto de sair à noite sem ela.

– Pistolas são inúteis contra um vampiro – disse Job, movendo-se com impaciência. – Só há uma única coisa que prevalecerá contra eles! Uma estaca enfiada no coração negro do demônio.

– Grandes céus, Job! – Conrad riu abruptamente. – Não consegue falar sério sobre essa coisa?

– Por que não? – Uma chama de loucura se ergueu em seus olhos. – Existiram vampiros em épocas passadas... ainda existem no Leste Europeu e Oriente. Eu o ouvi se gabar a respeito do próprio conhecimento de cultos secretos e magia negra. Suspeitei disso... então, enquanto jazia moribundo, ele me contou seu segredo medonho... jurou que voltaria do túmulo e me arrastaria com ele para o Inferno!

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