Capítulo 24

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Os mortos Prt.1

Walter suspirava dolorosamente pelo falecimento de sua amada esposa Brunilda. Era meia-noite e ele estava junto ao túmulo, no momento em que o espírito que urra nas tempestades lança suas malditas legiões de monstros. Lamenta-se todas as noites junto à cripta, sob as árvores geladas, apoiando a cabeça na lápide de sua esposa.

Walter era um poderoso cavaleiro da Burgúndia. Havia-se casado com Brunilda em sua juventude, quando os dois se amavam loucamente, mas a morte a arrebatou de seus braços. Ele ainda sofria, apesar de estar novamente casado com uma linda mulher chamada Swanhilde, que era o oposto de sua mulher: dama loira, de olhos verdes e de faces rosadas, e que lhe legara um filho homem e uma menina.

Walter não encontrava descanso: ainda amava Brunilda e desejava com toda a alma tê-la junto a si. Ele constantemente comparava sua esposa viva com a morta. Swanhilde notou a mudança no marido e se desesperava para cumprir a sua vontade. Mas nada adiantava, já que a obsessão de Walter era ter Brunilda novamente, e essa ideia fixa, constante, apoderara-se de sua alma. Toda noite, visitava ele o túmulo de sua linda esposa e perguntava, com tristeza:

— Irás dormir eternamente?

Lá estava Walter, estendido sobre o túmulo.

Soava meia-noite quando um feiticeiro das montanhas entrou no cemitério para colher as ervas que só crescem nas sepulturas e que são dotadas de um terrível poder. Aproximou-se daquele sepulcro em que Walter chorava e perguntou:

— Por que, infeliz, estás atormentado assim? Não te deves atormentar pelos mortos, pois também morrerás um dia. Quando tu choras por eles, não os deixa descansar.

— O amor é a maior força do universo e eu amei aquela que aqui agora apodrece. Quisera que ela voltasse para mim — respondeu Walter, com pesar e loucura.

— Acreditas que irás despertá-la com teus lamentos? Não vês que estás a perturbar-lhe o repouso?

— Vai-te daqui, ancião! Tu não conheces o amor! Se eu pudesse abrir a terra com minhas mãos e trazer minha querida Brunilda de volta à vida, eu o faria a qualquer preço! — Walter gritou.

— Ignorante! Não sabes o que dizes. Tu estremecerias de horror ante a ressuscitada. Não sabes que o tempo degrada os corpos? Teu amor se converteria em ódio.

—Antes caíssem as estrelas do firmamento. Eu arrebentaria meus músculos e ossos se ela ressuscitasse. Jamais poderia odiá-la.

—Tu falas com o coração aquecido e a cabeça fervente. Não te quero desafiar a devolvê-la: logo verias que eu não estou mentindo — disse o velho.

—Ressuscitá-la? — Walter gritou, jogando-se aos pés do mago. — Se és capaz de tal maravilha, faça-o! Faça-o por essas lágrimas, pelo amor que quase não vive mais sobre a Terra. Farias a melhor obra de bem em tua vida.

—Calma! Se decidires que assim há de ser, volta à meia-noite. Mas eu te aviso: deixa os mortos em paz!

Walter voltou para casa, mas não pôde conciliar o sono. No dia seguinte, em plena meia-noite, esperava o feiticeiro junto à sepultura.

— Meditaste sobre o que eu te disse? — perguntou ancião.

— Sim, eu pensei sobre isso. Devolve-me a dona de meu coração, eu imploro. Poderei morrer esta noite se não cumprires a tua promessa.

— Bem — disse o velho —, continua meditando e volta aqui amanhã à meia-noite. Eu te darei o que pedes, mas lembra-te: deixa os mortos em paz!

Na noite seguinte, o feiticeiro apareceu e disse:

— Espero que tenhas pensado bem sobre a situação. Devolver uma pessoa morta à vida não é uma brincadeira. Será a última vez que te digo: deixa os mortos em paz!

— Chega! Minha amada não terá paz nessa cova gelada. Tens que devolvê-la para mim. Assim me prometeste! — Walter gritou cheio de ansiedade.

—Lembra-te: não poderás separar-te dela até a morte, mesmo que a repugnância e o ódio se apoderem de teu coração! Só haveria um meio assustador de alcançá-lo, mas não creio que tu queiras ouvir falar disto.

— Velho tolo, devolve-me Brunhilda! Como eu poderia odiar o que eu mais amava? — Walter uivou desesperadamente.

—Está bem. Já que assim queres, assim será! Afasta-te!

O feiticeiro fez um círculo ao redor do túmulo e uma tempestade eclodiu. Levantou os braços para o céu e começou a gritar frases em uma língua que não era humana. As corujas começaram a voar das árvores. As estrelas se ocultaram atrás das nuvens. A lápide que cobria o túmulo começou a se mover e alcançou a superfície. No buraco, o velho atitou várias ervas, enquanto continuava a murmurar com os olhos vazios. Um vento rápido e gelado emergiu do sepulcro ao mesmo tempo em que centenas de vermes escalavam a terra. De repente, as nuvens se abriram e a lua banhou a sepultura vazia. Sobre ela, o feiticeiro derramou sangue fresco contido em uma caveira e exclamou:

—Bebe, tu que dormes, esse sangue quente para que o teu coração possa bater novamente.

Como um vulcão em erupção, Brunilda se levantou, empurrada por uma força invisível da noite eterna em que foi enterrada. Tinha os cabelos negros como a tempestade, olhos azuis e uma pele muito branca. O velho feiticeiro a tomou pelas mãos e a conduziu a Walter.

—Recebe de volta a tua amada! Espero que nunca voltes a precisar de minha ajuda! Mas, caso precises, me encontrarás nas noites de lua cheia nas montanhas, onde os caminhos se cruzam.

Dizendo isto, afastou-se a passo lento.

—Walter —exclamou Brunilda—, leva-me logo ao castelo nas montanhas!

Walter saltou sobre o cavalo e, tomando a sua amada, galopou em direção às montanhas solitárias, onde tinha m castelo oculto. Ali havia vivido com Brunilda. Só o velho criado os viu chegar. Foi ameaçado de imediato pelo patrão, o qual lhe ordenou guardar silêncio.

—Aqui ficaremos bem —dsse Brunilda—, até que meus olhos possam ver a luz novamente.

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