Capítulo 25

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Os Mortos Prt.2

Enquanto residiam no castelo, os poucos criados ignoravam por completo que sua antiga ama houvesse ressuscitado. Só o velho serviçal sabia a verdade e era quem lhes levava água e comida. Nos primeiros sete dias, viveram à luz das velas, com todas as cortinas cerradas. Nos sete seguintes, abriram as janelas mais altas, de modo que só entrava a tênue claridade do amanhecer ou do anoitecer. Walter nunca se apartava de sua querida Brunilda. Não obstante, sentia um calafrio que o impedia de tocá-la, cuja origem desconhecia. Tão grande, todavia, era o seu amor, que não se importava com isto. Estava certo de que assim era melhor que outrora. A sua esposa ainda era mais bela do que quando estava viva pela primeira vez, sua voz era mais doce, as suas palavras fluíam com emoção e toda ela o fascinava até a loucura.

Brunilda constantemente falava dos amores que tiveram no passado, fazendo a Walter emocionantes promessas que prontamente se realizariam: seu amor seria o mais profundo amor que o mundo já conhecera. Assim, embriagava seu amado de esperanças para o futuro. Somente quando falava do afeto que sentia por ele deixava que transparecesse o aspecto terreno das coisas; amiúde, discorria sem cessar sobre assuntos espirituais, eternos e proféticos.

Todos os dias dormiam juntos. Walter sentia a necessidade de abraçar a sua esposa, a ela unir-se em carne como antigamente, mas Brunilda se afastava bruscamente da cama e lhe explicava:

-Não querido, assim não! Como poderia eu, que regressei da morte para estar contigo, ser tua amante enquanto tens uma torpe mulher, que se faz chamar por tua esposa?

Walter havia enlouquecido e estava disposto a tudo. Um dia, arrebatado pela paixão, abandonou o castelo e cavalgou furiosamente por entre os bosques e as montanhas, até que chegou a sua casa, onde sua esposa Swanhilde e os seus filhos o receberam com carinhos e lindas palavras. Mas nada pôde acalmá-lo nem reprimir a sua cólera. Disse à sua esposa que o melhor era que se separassem, para que cada um ponderasse as coisas com calma e constatasse se havia realmente amor recíproco ou não. Swanhilde, cheia de compreensão, concordou.

No dia seguinte, Walter havia obtido a escritura de separação, cujos termos diziam que a mulher deveria regressar à casa de sus pais. As crianças ficariam no castelo. Então, Swanhilde lhe disse:

- Suspeito que me deixas pelo amor de Brunilda, de quem não podes esquecer. Eu te vi ir ao cemitério e rondar o seu sepulcro. Não me digas, Walter, que ousaste juntar os mortos com os vivos. Isto causaria a tua destruição!

Walter rememorou que fora aquilo mesmo o que lhe havia sentenciado o feiticeiro, mas não o percebera. Fez redecorar o palácio ao gosto de sua nova dona. A ressuscitada ingressou pela segunda vez em sua mansão como esposa. Walter disse a todos os criados do palácio que era uma nova noiva que trouxera de terras distantes, mas os moradores do castelo notavam a estranha semelhança que havia entre a senhora e a sua antiga ama Brunilda. Suas almas se encheram de assombro, pois esperavam o pior e, entre os serviçais, corria o rumor de que seu amo havia exumado a antiga esposa de sua tumba e com poderes mágicos a fizera viver novamente.

A nova senhora nunca usava outro vestido que não fosse a sua túnica cinza pálida; nunca usava joias de ouro, como as outras grandes damas, mas turvos adornos de prata - à guisa de cinturão - e brincos; pérolas opacas cobriam o seu peito. Brunilda só saía ao anoitecer, e tratava com severidade todos os criados que a rodeavam. Era uma mulher cruel, que castigava sem pretexto e por prazer. Tinha o poder de vida e morte sobre todos.

Outrora, o castelo estava repleto de alegria. Agora, porém, seus moradores tinham a face emaciada pelo medo. Estremeciam cada vez que cruzavam com Brunilda. Muitos criados caíram enfermos e morreram. Os que a miravam nos olhos se convertiam em escravos de seus caprichos. A maioria tentou fugir do castelo. Somente alguns poucos eram poupados, os idosos.

Os poderes que o feiticeiro conferira a Brunilda com o alimento humano recompuseram o seu corpo putrefeito. Apenas uma mágica bebida podia conservá-la com vida, uma maldita opção: sangue humano, bebido ainda quente de veias jovens.

Brunilda já nutria o desejo de beber o sangue de Walter, mas teria de esperar a noite de lua cheia. Uma tarde, repleta de ansiedade, vagava pelo bosque e se encontrou com um pequerrucho de faces rosadas. Com carícias e presentes, atraiu a criança e a levou a um sítio distante da vista humana para sugar o sangue de seu peito. Depois desta atitude hedionda, ninguém mais permaneceu a salvo de seus ataques. Todo humano que se aproximava dela era narcotizado com a fragrância de seu hálito. Crianças, jovens e donzelas murchavam como flores. Os pais ficaram aterrorizados diante daquela praga que arruinava a vida de seus filhos.

Logo começaram a circular rumores. Acreditavam que era ela a causadora da peste mortífera, mas nas vítimas não havia indício algum que a incriminasse, e ninguém a tinha visto produzindo aquelas aberrações. Veio, então, o remédio radical: os pais abandonaram a vila, deixando as suas casas vazias e as terras incultas. O castelo ficou desolado e a vila também: somente permaneciam os anciãos decrépitos e suas esposas.

Somente Walter não via a morte a seu redor. Estava entregue à sua paixão, acima de todas as coisas, por Brunilda, que o amava com uma ternura que nunca antes havia demonstrado. Até agora não havia precisado de seu sangue. Mas ela não deixava de notar, com pesar, que suas fontes de vida agora se esgotavam. Logo já não mais haveria sangue fresco e jovem, salvo o de Walter e seus filhos. Ao regressar ao castelo, Brunilda sentira aversão pelas crianças - porque gerados por uma estranha - e os relegara aos cuidados de uma velha serviçal. Mas a necessidade logo fez com que conquistasse o amor dos infantes. Deixava-os dormir em seu peito; contava-lhes histórias, brincava com eles e os fazia dormir com o olhar e o hálito.

Lentamente ia extraindo das crianças o fluxo vital que a mantinha bela e viva. Pouco a pouco, as forças dos pequenos iam desaparecendo, seus risos alegres haviam-se transformado em sorrisos débeis. As amas estavam preocupadas e temiam que todos os rumores fossem verdade. Não se atreviam a dizer nada ao patrão. O filho homem morreu primeiro. Depois, sua irmãzinha o acompanhou à sepultura. Walter se encheu de pesar pela morte de seus filhos, e a sua tristeza irritou extremamente Brunilda, que o repreendia, dizendo:

-Por que se lamentar tanto? Seguramente, tu te recordas da mãe das crianças. Ou já estás farto de mim? - dizia-lhe a bela mulher, com os olhos injetados de ódio.

Walter era um escravo. Perdoou as ofensas de sua esposa e lhe pediu desculpas. Logo voltavam a viver a loucura do amor da morte. Contudo, somente ele restara para saciar a sede daquela besta infernal. As criadas eram demasiadamente velhas e o seu sangue não lhe servia aos propósitos. Brunilda sabia disto, mas não se importava. Sabia que, morto Walter, conquistaria outros homens e iria a novas vilas em busca de sangue jovem.

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