Capítulo 37

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A procissão dos defuntos

Havia numa terra uma mulher muito curiosa: não se passava coisa na rua de que não desse fé. A qualquer hora da noite, estava sempre por detrás da veneziana a espreitar e a escutar o que se passava lá fora.

Uma noite, estava ela já deitada, quando ouviu passos pela rua.  A curiosidade a fez saltar da cama e, mesmo de camisola, correu ao postigo. Era uma procissão que passava e de que ela nunca ouvira falar. A procissão era muito comprida, e o que mais a fazia pasmar é que ninguém fazia barulho, nem se ouviam as passadas daquele tropel de gente. A mulher estava pasmada. Mas eis que passa um homem que ela conhecia. Era o seu compadre, que havia já tempo que morrera. Para disfarçar a curiosidade, usou de uma artimanha:

— Oh meu compadre! — disse ela quando o vulto passou rente ao postigo. —Você me empresta a sua tocha para acender a candeia que se apagou?

O vulto deu-lhe a tocha e foi andando.  Acabada a procissão, a mulher foi para a cama, mas não podia dormir. Quando alvoreceu, e se levantou, é que notou que o quarto estava alumiado com uma luz acesa. Vai para certificar-se: era o braço de um defunto. A mulher ficou trespassada de medo e foi confessar o caso a um padre.

— É castigo da curiosidade. Agora é esperar que a procissão torne a passar daqui a oito dias, para entregar ao seu compadre o braço do defunto.

Chegado o dia, a mulher curiosa pôs-se ao postigo e, das duas para as três horas da madrugada, passou a procissão dos defuntos do mesmo feitio, sem fazer barulho.

Quando ela viu aproximar-se o vulto do compadre, estendeu o braço e o entregou a ele. A procissão desapareceu no fim da rua, e quando amanheceu, foram dar com a mulher morta debruçada ao postigo. Todos os que a conheciam disseram pela mesma boca:

— Foi castigo, foi castigo.

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