Capítulo 47

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Aqueles que moram sob as tumbas Prt.2

Saímos de casa e atravessamos o gramado. Aquela parte do vale era pouco povoada, embora poucas milhas a sudoeste brilhassem as luzes da cidade. Adjacente aos jardins de Conrad a oeste, ficava a propriedade de Job, a casa escura avultando magra e silenciosa por entre as árvores. Aquela casa era o único luxo que o velho avarento permitia a si mesmo. Uma milha ao norte, fluía o rio, e ao sul se erguiam os sombrios contornos negros daquelas baixas e onduladas colinas estéreis, com longas inclinações cobertas por arbustos, às quais os homens chamam de Colinas de Dagoth – um nome curioso, não-aparentado com qualquer língua indígena conhecida, mas usado inicialmente por aqueles homens vermelhos para designarem aquela cordilheira raquítica. Eram praticamente inabitadas. Havia fazendas nas inclinações externas, em direção ao rio, mas os vales internos tinham solos muito rasos, e as próprias colinas eram rochosas demais para o cultivo. A pouco menos de 800 metros da propriedade de Conrad, se erguia a estrutura vagabunda que havia abrigado a família Kiles durante uns 300 anos – pelo menos, as pedras fundamentais datavam dessa época, embora o resto da casa fosse mais moderno. Acho que o velho Job estremeceu ao olhar para ela, ali empoleirada como um abutre no ninho, contra o negro fundo ondulado das Colinas de Dagoth.

Era uma selvagem noite ventosa, a qual atravessamos em nossa louca busca. Nuvens passavam sem parar pela lua, e o vento uivava pelas árvores, trazendo estranhos ruídos noturnos e pregando curiosas peças com nossas vozes. Nossa meta era a tumba que se acocorava numa inclinação mais alta de uma colina que se projetava do resto da cordilheira, correndo para trás e acima do planalto alto no qual se erguia a casa do velho Kiles. Era como se o ocupante do sepulcro olhasse sobre a casa ancestral e para o vale, que sua gente outrora possuíra da aresta ao rio. Agora, todo o chão pertencente à velha propriedade era a faixa que subia as inclinações até as colinas, a casa numa extremidade e a tumba na outra.

A colina sobre a qual o túmulo fora construído divergia das demais, como eu dissera, e, ao irmos para o sepulcro, passamos perto de sua extremidade íngreme e coberta por matagal, a qual recuava bruscamente para dentro de um penhasco vertical e coberto por moita. Estávamos nos aproximando da ponta dessa aresta, quando Conrad comentou:

– O que possuiu Jonas, para construir seu túmulo tão longe das criptas da família?

– Ele não o construiu – rosnou Job. – Foi construído há muito tempo por nosso ancestral, o velho Capitão Jacob Kiles, e por causa dele, esta projeção particular ainda é chamada de Colina Pirata... pois ele era um bucaneiro e contrabandista. Algum estranho capricho o fez construir seu tumulo lá em cima e, em sua vida, ele passou muito tempo sozinho ali, especialmente à noite. Mas ele nunca o ocupou, pois estava perdido no mar, numa luta com um navio de guerra. Ele costumava observar, em busca de inimigos ou soldados, desde aquele penhasco à nossa frente, e é por isso que as pessoas o chamam, até hoje, de Cabo do Contrabandista.

“O túmulo estava em ruínas, quando Jonas começou a morar na antiga casa, e ele o restaurou para receber seus ossos. Ele bem sabia que não ousava dormir em solo santificado! Antes de morrer, ele havia feito todos os preparativos – a tumba havia sido reconstruída, e o caixão sem tampa colocado nela para recebê-lo...”.

Estremeci, apesar de mim mesmo. A escuridão, as nuvens desvairadas passando pela lua leprosa, os ruídos estridentes do vento, as sombrias colinas escuras avultando sobre nós, as palavras desvairadas de nosso companheiro, tudo trabalhava minha imaginação para povoar a noite com formas de horror e pesadelo. Olhei nervosamente para as inclinações cobertas por arbustos, negras e repelentes na luz mutável, e me vi desejando que não estivéssemos passando tão perto dos despenhadeiros com moitas e assombrados por lendas do Cabo do Contrabandista, se sobressaindo da cordilheira sinistra como a proa de um navio.

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