Capítulo 27

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A Vampira Prt.1

O conde Hipólito tinha voltado das suas extensas viagens, a fim de tomar posse da rica herança do pai, que morrera pouco tempo antes. O solar da família era situado numa das mais pitorescas regiões, e as rendas do patrimônio permitiam embelezá-lo custosamente. O conde resolveu reproduzir ali tudo o que durante as suas viagens o impressionara vivamente pela magnificência e bom gosto. Chamou uma nuvem de artistas e de operários, que começaram logo a embelezar, ou para melhor dizer, a reconstruir o castelo, rasgando ao mesmo tempo um parque do mais grandioso estilo, onde se encravaram, como dependências, a igreja paroquial e o cemitério.

Possuidor dos conhecimentos necessários, o conde dirigiu em pessoa os trabalhos e entregou-se completamente a esta ocupação.

E assim decorreu um ano, sem que lhe passasse pela ideia ir brilhar, como lhe aconselhava um tio velho, na sociedade da capital, sob os olhares das meninas casadoiras, afim de desposar a melhor, a mais bela e a mais nobre de todas.

Estava, uma manhã, sentado à mesa desenhando o plano duma nova construção, quando lhe anunciaram uma parente de seu pai.

Ao ouvir o nome da baronesa, Hipólito recordou-se logo de que o pai se lhe referia sempre com a mais profunda indignação, de mistura com certo receio. Sem explicar o perigo que havia na convivência, afastara sempre dela as pessoas que lhe eram caras. Se teimavam em pedir-lhe explicações, o conde respondia que havia coisas em que era melhor não falar.

O certo é que na capital circulavam certos boatos a respeito de um processo criminal muito singular, em que a baronesa estivera envolvida e em consequência do qual se havia separado do marido e fora obrigada a retirar-se para o campo. Todavia, o príncipe perdoara-lhe.

Hipólito experimentou uma sensação desagradável à aproximação da pessoa detestada pelo pai, apesar de desconhecer as razões dessa aversão. Os deveres da hospitalidade, que se respeitam principalmente no campo, impunham-lhe, porém, a necessidade de receber a importuna visita.

A baronesa estava longe de ser feia, mas nunca pessoa alguma produzira no conde repugnância tão manifesta.

Ao entrar, a baronesa cravou no dono da casa um olhar incendiado, mas logo baixou os olhos, e pediu-lhe desculpa da sua visita nos termos mais aviltantes de rasteira humildade. Lastimou que o pai do conde, possuído das mais extraordinárias prevenções inspiradas maldosamente pelos seus inimigos, a tivesse odiado de maneira tão acirrada. Apesar de ter caído em profunda miséria, chegando quase a padecer de fome, o conde nunca a socorrera. Ia agora refugiar-se numa cidade da província, tendo acabado de receber inesperadamente uma pequena quantia. Rematou dizendo que não pudera resistir ao desejo de ver o filho do homem, a cujo ódio irreconciliável sempre correspondera com profunda estima.

Estas palavras, pronunciadas com o acento tocante da verdade, conseguiram comover o conde, para o que também muito contribuiu a presença da graciosa e encantadora menina que acompanhava a baronesa. Calou-se esta finalmente, mas o conde pareceu não reparar em tal, e ficou silencioso e contrafeito. A baronesa pediu-lhe então desculpa duma falta em que o embaraço a fizera incorrer e apresentou-lhe a sua filha Aurélia.

Corando como um rapaz dominado por suave embriaguez, o conde suplicou-lhe que lhe permitisse reparar os agravos do pai, devidos certamente a uma inadvertência, oferecendo-lhe hospitalidade no castelo. Ao certificar-lhe as suas boas disposições, pegou-lhe na mão e estremeceu de terror. Sentiu-lhe os dedos gelados, sem vida, ao mesmo tempo que o vulto descarnado da baronesa, que fixava nele uns olhos embaciados, tomava o aspecto de um cadáver vestido de brocado.

- Valha-me Deus! Que contrariedade! E logo nesta ocasião! - exclamou Aurélia.

E com voz terna, que se insinuava na alma explicou que a sua desgraçada mãe tinha às vezes ataques de catalepsia, mas que estas sincopes passavam de pronto sem auxílio de remédios.

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