Capítulo 41

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Gabriel

Há um animal selvagem em seus bosques — disse o artista Cunningham, enquanto era conduzido à estação. Esta foi a única observação que ele fez ao longo de todo o trajeto, mas, como Van Cheele havia falado sem parar, o silêncio de seu companheiro não havia sido notado.

— Uma ou outra raposa extraviada e umas tantas doninhas da região. Nada mais fabuloso que isto — disse Van Cheele. O artista não disse mais nada.

— O que você quis dizer com animal selvagem? — perguntou Van Cheele pouco depois, quando estavam na plataforma.

— Nada. Apenas uma fantasia minha. O trem está chegando — disse Cunningham.

Naquela mesma tarde, Van Cheele saiu para um de seus frequentes passeios nos bosques de sua propriedade. Havia uma ave migratória empalhada em seu estúdio e ele conhecia os nomes de um grande número de flores selvagens. Assim, a sua tia tinha, de algum modo, certa razão para descrevê-lo como um grande naturalista. De toda forma, era ele um grande caminhante. Tinha o costume de tomar, mentalmente, nota de tudo o que via nesses passeios, não tanto para contribuir para com a ciência contemporânea, mas sobretudo para munir-se de temas em suas conversações. Quando as campânulas azuis começaram a florescer, ele fez questão de participar o fato a todas as pessoas. A época do ano poderia ter prevenido seus ouvintes da probabilidade de tal ocorrência, mas pelo menos pensaram que Van Cheele estava sendo absolutamente franco com eles.

Todavia, o que Van Cheele viu naquela tarde em particular fora algo muito distante de suas experiências ordinárias. Numa plana saliência rochosa, que pende sobre uma laguna profunda, em meio a uma clareira de um bosque de carvalhos podados, um jovem de cerca de dezesseis anos estava estendido, secando deliciosamente os seus membros morenos ao sol. Tinha os cabelos molhados, redistribuídos na cabeça por um mergulho recente. Seus olhos castanho-claros, que, de tão brilhantes, tinham quase o fulgor dos de um tigre, dirigiram-se para Van Cheele com uma certa atenção indolente. Aquela era uma aparição inesperada e o homem enredou-se no processo, que não lhe era habitual, de pensar antes de falar. De onde teria surgido aquele rapaz de aparência selvagem? A esposa de um moleiro perdera um garoto há uns dois meses — supunha-se que arrastado pela corrente que movia o moinho —, mas aquela era só uma criança, não um rapaz crescido.

— O que está fazendo aqui? ­— perguntou Van Cheele.

— Tomando sol, é evidente — respondeu o rapaz.

— Onde você mora?

— Aqui, nestes bosques.

— Você não pode morar nos bosques — disse Van Cheele.

— São bosques muito belos — disse o rapaz, com certo tom de condescendência na voz.

— Mas, onde dorme à noite?

— Não durmo à noite. É quando estou mais ocupado.

Van Cheele começou a ter a irritante sensação de estar lidando com um problema que lhe escapava.

— De que você se alimenta? — perguntou.

— De carne — respondeu o rapaz. E pronunciou aquela palavra com tanto gosto que parecia saboreá-la.

— Carne? Que espécie de carne?

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