Raison d'être (ShinoKiba)

Fenômenos Vinculares

Inuzuka Kiba poderia dizer com toda certeza do mundo que aquele estava sendo o pior dia de sua jovem vida. Ou noite, afinal tudo deu muito errado depois das dezoito horas. O plano era simples e divertido: entrar na casa de banhos Alpha, lavar-se e sair, zombar da lei e da casta tida mais forte, que usufruía de privilégios inalcançáveis para as demais camadas da sociedade shifter.

E a coisa avançou bem, os ladinos se infiltraram, lavaram-se no pré-banho e tomaram acento na grande banheira comunitária. Kiba lembrava-se nitidamente de tudo até o momento em que se acomodou ao lado de Naruto, depois disso se via preso em um embotamento mental confuso e incoerente, seguido de um forte desejo de... Entrega, de pertencimento e então, a dor.

Tinha momentos intermitentes de dor intensa, talvez alguns delírios, a noção de tempo fora totalmente influenciada, Kiba não conseguia dizer se passou horas ou dias desde aquela malfadada invasão. Só uma certeza era inquestionável: o plano falhou ou ele não estaria passando por aquele sofrimento.

Todas essas considerações não foram feitas de maneira didática e consciente, Kiba estava incapacitado de raciocinar direito, logo pontuando mais através de sensações do que pensamentos coerentes. Um paralelo ao que acontece durante sonhos, a mente trabalha, ainda que o corpo permaneça em más condições.

Apesar da confusão sobre a passagem do tempo, apenas uma hora após Aburame Shino aceitar ficar no quarto provou-se suficiente para uma surpreendente reviravolta no quadro clínico do Ômega. Foi uma hora de sono de qualidade, sem dor, com a febre diminuindo gradualmente.

Quando o garoto despertou por completo, a debilidade era nítida nos olhos fundos e pele pálida, mas a clareza mental estava de volta, ele observou ao redor, suspirando de leve, era mesmo um quarto de hospital, ainda segurava na mão da mãe e aquela presença Alpha vinha do homem sentado perto do leito. Kiba era impulsivo e rebelde, possuía inúmeros defeitos, mas não era burro, foi muito fácil somar dois mais dois e compreender a situação ao menos por alto.

- Me desculpa... - Falou baixinho, com mais humildade do que usou a vida inteira.

- Se sente melhor? - Tsume indagou com calma, embora a voz fosse assumindo um preocupante tom ascendente conforme a Beta continuou. - Porque se estiver eu vou arrancar as suas duas orelhas, moleque!

- Pode arrancar. - Kiba nem tentaria se defender. - Dessa vez eu mereço.

- Como tá o pescoço? - Tsume se acalmou um pouco.

O Ômega soltou a mão e levou até o pescoço, tocando o curativo manchado com sangue seco. A presença de Aburame Shino estabilizara até mesmo o sangramento que antes não queria parar, prova do quão poderoso era um vínculo quando a Marca era imposta, ainda que tal vínculo fosse incompleto.

- Parece tipo quando eu ralava o joelho e a senhora socava aquele remédio fudi... Fedido. - Corrigiu-se a tempo. - Sabe? Meio amortecido, não dói, mas eu sinto que não tá normal.

Calou-se. Na verdade ele sentia muitas coisas mais, todas ligadas à presença daquele Alpha, coisas constrangedoras até, algo semelhante a pertencimento... E captava traços de forte posse fluindo pelo ar, fragmentos que sabia emanar de outra pessoa, não de si, e essas duas sensações eram a pontinha do iceberg que Kiba tinha coragem de nomear.

Todavia das quais não podia fugir para sempre, portanto desviou os olhos da figura da mãe e fixou-os no Alpha, finalmente se permitindo dar uma olhada completa. A figura era impressionante, um homem visivelmente alto e isso era inegável, mesmo ele estando sentado, com um casaco longo cinza um tanto amarrotado e óculos escuros, o rosto era sério, de traços marcantes e pele muito pálida, um conjunto harmonioso completado pelos lábios finos, comprimidos em uma linha tensa, de alguém que se sabe avaliado minuciosamente. Kiba corou.