O homem entrou no quarto e só encontrou o breu como companhia. Nem mesmo uma vela estava acesa naquele lugar. A porta fechou atrás de si deixando-o na completa escuridão. Ele não enxergava pelo vão por debaixo, mas intuiu onde a porta estava.
Tateou a madeira até encontrar a maçaneta e tentou desesperadamente abrir, porém não tinha efeito.
— Alguém? — Chamou para que alguma pessoa fora do cômodo o ajudasse, entretanto nenhuma viv'alma atendeu.
Ia gritar, mas um braço rodeou seu pescoço e o apertou tirando todo o ar. Desprevenido, o homem não se lembrava como reagir ao ataque e acabou sufocado até perder as forças. Seu peso foi arrastado e depois arremessado de cara contra o colchão da própria cama. Um joelho fazia pressão contra suas costas. Não ouvia sequer resquício de respiração, fazendo crer que fora atacado por fantasmas.
Um par de mãos habilidosas amarrou para trás os braços do homem. O joelho saiu de cima de suas costas e o corpo foi jogado em uma cadeira de modo que caiu sentado, e ali teve os pés amarrados. Começava a recuperar as forças quando uma mordaça cobriu sua boca.
No escuro, alguém finalmente falou.
— Diga mister Lyon, quais são seus pecados? — A voz de Marcel saiu com perfeito sotaque londrino.
Valentin suspirou quando reconheceu a voz do amigo. Uma vela foi acesa e o francês pôde ver os irmãos Desfleurs lado a lado, como nos velhos tempos quando arrancavam verdades através do terror. Foram bons de não tapar os olhos dele, em uma situação real eram bem piores que aquilo.
— Sabemos que você tem um segredo que muito nos interessa, Valentin. — Disse Clementine também fazendo uso de seu perfeito sotaque londrino.
A forma como conseguiam mudar de sotaque era uma arte refinada dominada por poucos. Não era à toa que os Desfleurs eram temidos e perseguidos, mas poucos sabiam sua identidade.
— Se não disser o que ansiamos saber, derramaremos vinho em suas melhores vestes. — Marcel ameaçou com um sorriso malicioso no rosto.
Valentin revirou os olhos indicando que não poderia cooperar com a mordaça na boca.
— Excelente, ele está disposto a ajudar. — Clementine cortou a mordaça com uma tesoura, pois o nó era muito bem feito e apertado.
Valentin mascou como uma vaca até que a boca seca ficasse úmida.
— O que desejam saber? — Falou por fim.
— Primeiro devo comentar que sua guarda baixa foi decepcionante. — Disse Marcel com expressão de tristeza. — Eu esperava exibir mais minhas habilidades de luta e captura.
— Por um lado você tem razão, por outro, sou melhor lutador. — Gabou-se Valentin.
— Não desviemos do foco. — Interrompeu Clementine. — Queremos saber sobre Maria Belinha.
Valentin arregalou os olhos.
— Ainda somos os velhos Desfleurs, meu caro. Nada nos escapa. — Marcel cruzou os braços frente ao peito.
— E então... — Clementine exigiu uma resposta.
— Não sei o que dizer. — Valentin suspirou.
Marcel estralou a língua três vezes em sinal de desaprovação.
— Acaso está brincando com uma amiga que tenho em alta conta? — Foi Clementine quem questionou de forma ameaçadora.
— Não. Eu só... Não sei o que sinto. — Valentin foi sincero. — Vim por Clementine, mas acontece que Maria Belinha captou minha atenção e ela parece a cada dia que passa mais encantadora.
— Então...? — Marcel queria um posicionamento.
— Não sei... — Valentin balançou a cabeça em negativa. — Ela é jovem e não carrega pecados. Entende? Eu tenho a alma podre, como bem sabem. A moça desmaiou quando viu um homem nu. Sabem quanto tempo fazia que eu não encontrava tamanha pureza?
— Seja sincero, quantas vezes se beijaram? — Clementine inquiriu apontando a tesoura para o olho esquerdo do amigo.
— Quatro. — Valentin confessou.
Clementine aplicou quatro chutes nas canelas do homem.
— Você tomou o primeiro beijo dela. — Marcel observou.
E Clementine aplicou mais um chute.
— O primeiro beijo vale mais. — Ela justificou a pena.
Valentin não gritou de dor, mas os olhos estavam marejados de lágrimas.
— Sabe o que penso? — Marcel chamou a atenção dele. — Se gosta dela, devem se casar.
— O que?! — Valentin exclamou surpreso.
— Sinceramente Maria Belinha é maior que este fim de mundo. Ela é curiosa, inteligente, sagaz... Merece conhecer mais. — Marcel explicou seu ponto de vista.
— Acaso acha que nossos pecados são motivo para não sermos felizes ou não trazermos felicidade a outros? — Clementine questionou. — Eu também pensava assim, mas então engravidei de Émile e novas possibilidades se abriram. Talvez eu não vá para o paraíso depois da morte, mas meu filho poderá ir.
— Tem razão, irmã. — Marcel apoiou. — Sua pena será protegê-la a todo custo, Valentin.
— Não o estamos obrigando ao matrimônio, se não quiser desista e parta sem ela. — Clementine complementou.
— Entretanto se a quer, faça da maneira correta. Não por nós, mas por ela. — Marcel determinou.
Valentin caiu em profunda reflexão e os amigos o soltaram.
— Tome sua decisão o mais rápido possível. — Clementine disse antes de sair e fechar a porta atrás de si.
E nos dois dias que se seguiram, enquanto o casamento de Matilde e Justino era arranjado, Valentin fez o possível para ficar longe de Maria Belinha. Era difícil. Sempre que via o comportamento agitado que ele considerava adorável, ficava admirando e ela percebia.
Em Basto Mato tudo estava notoriamente calmo por aqueles dias. A casa que outrora esteve jogada às traças fazia gosto em ver o quão linda estava. Todos os cômodos foram reorganizados e, criadas contratadas para cuidar dos serviços domésticos. Á Perpétua caberia apenas o cuidado com os filhos e com sua própria pessoa, o que estava sendo difícil, pois se via inquieta.
Tinha pedido Maria Belinha que desse aulas ao filho Antônio, mas decidiu que também aprenderia. Não suportava mais aquela sensação de vazio que no máximo preenchia com os cuidados do jardim ou algum bordado.
As aulas começariam após o casamento de Matilde.
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Mister: senhor.
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Tesouro de Clementine (Donas do Império - Livro 2) [Concluído]
Historical Fiction[Romance] Dizem que sorte é quando a oportunidade encontra o preparo. A marquesa de Diamantais ofereceu para senhorita Desfleurs a oportunidade de esconder-se em uma de suas propriedades mais suntuosas. Sem melhores opções, a desesperada grávida ace...