Um solitário violino emitia acordes sublimes em ritmo da tradicional marcha nupcial. Toda a capela estava enfeitada com flores silvestres e o aroma fresco das pétalas pairava no ar. Não era um recinto grande, mas era bonito. Tinha vitrais coloridos em forma de mosaicos que ilustravam passagens importantes da bíblia. Do teto, sobre a nave, pendiam buquês de flores frescas presos na ponta de faixas de tecidos brancos reaproveitados do casamento de Matilde.
Todos os convidados se levantaram quando as portas duplas de madeira escura foram abertas. Uma dama e um pajem entraram com pequenas cestas em mãos, andavam devagar enquanto jogavam pétalas de rosas amarelas pelo caminho.
De pé em frente ao altar, Valentin olhava nervoso para a entrada. Suava um pouco pelo estado emocional agitado e ansioso, mas era um dos noivos mais lindos que aquelas paredes já viram.
Não houve separação de lado para convidados do noivo e da noiva, pois representando Valentin estavam apenas os Desfleurs.
Maria Belinha finalmente entrou na igreja de braço dado com o pai.
Clementine pensou que ela parecia uma fada usando aquele vestido branco de ajuste perfeito. Era um acontecimento por si só, com a saia rodada e o bojo coberto de renda fina e bordados manuais. O véu cobria o rosto da noiva, mas era tão transparente que qualquer um podia ver o enorme sorriso da moça. Na cabeça da menina ia uma grinalda de rosas brancas.
A francesa olhou para o noivo e mal pôde crer quando uma lágrima de alegria desceu pelo rosto de Valentin Lyon. Tudo nele assinalava a concordância e a vontade daquela união. Ele aceitou todas as vontades dos Silva sem reclamar.
O noivo assistiu sua amada caminhar pelo corredor como se fosse a única coisa no mundo que valesse a pena admirar e quando Maria Belinha chegou a ele, Valentin abriu um sorriso tão largo e sincero que chegava a surpreender.
O sermão prosseguiu depois de os convidados se sentarem.
Clementine sentiu o coração aquecido por aquela cena que se desenrolava ali, porque via a sinceridade no casal. Ela agarrou o braço de Ícaro, que estava ao lado de si e com Émile no colo.
A verdade é que Valentin e Maria Isabella tiveram uma sorte incomum. Era encaixe perfeito um do outro, como se tivessem sido feitos do mesmo molde que se partiu. Era fantástica a sincronia e a concordância de ambos. Eles de fato se completavam.
Bárbara chorava emocionada. No fim das contas metade de seu desejo foi cumprido, com Maria Belinha se casando de branco e na Igreja. Não foi a mais fácil das cerimônias já que gerou muito falatório e a maior parte da cidade não queria nem mesmo passar perto da igreja do padre por ele realizar um casamento de negros. Houveram represálias contra o sacerdote e até mesmo tentativas de suborno para que não fizesse a cerimônia, mas nada disso foi capaz de impedi-lo porque no fim das contas quem tinha mais poder eram os funcionários da marquesa de Diamantais.
Claro que os supostos escravos de Flor Bonita foram à cerimônia. Depois do famoso e tradicional rito cristão, deu-se início um festejo.
Clementine e Émile voltaram para o lugar da festa na carruagem de Ícaro, pois os noivos ficaram sozinhos em uma outra, para aproveitar a fase de recém casados desde já. Podiam ir a pé como os demais, nem era muito longe, mas as roupas caras e pesadas amassariam e teriam as barras sujas pelos caminhos de terra vermelha.
Os noivos agradeceram muito pela idéia de Clementine, claro. Mal podiam esperar para se libertar do cativeiro dos olhares alheios. Assim os outros convidados foram para casa na carruagem de Sorte, que era maior.
Com Clementine, Ícaro e Émile estavam Perpétua e Antônio.
— Nunca imaginei que conseguiria assistir ao casamento de uma preta em solo cristão. — Perpétua comentou. Estava lindíssima em seu vestido azul.
— Nem eu. — Antônio concordou com a mãe.
— Espero que sejam cada vez mais comuns com o passar dos anos, madame. — Clementine emitiu sua opinião.
— Quando vai me chamar apenas de Perpétua? — A mulher repreendeu.
— Desculpe, Perpétua. É força do hábito da formalidade. — A francesa se justificou.
— Não precisa disso, sou uma sogra gentil. — Perpétua falou.
Antônio riu discretamente. Clementine sempre se admirava da beleza dele. Ícaro era bonito, mas Antônio era belo.
— Mãe, não a force a ser grosseira. — Ícaro, que estava com Émile no colo, falou enquanto erguia os olhos para a mãe.
— Não forcei. Acredito que isso aconteceria se eu falasse de casamento. — Perpétua encarou Clementine e a francesa desviou o olhar.
Não tinha pretensão de ser grossa com Perpétua, nem mesmo para esclarecer que não pensava em casamento. Quando essa hora chegasse, Ícaro ficaria encarregado de contar para a mãe.
— Diga, minha filha, você pretende passar o resto da vida com esse turrão? — Perpétua questionou.
Não tinha como fugir de uma pergunta direta. E era difícil responder, nem ela mesma sabia se sim. Sempre se perguntava se queria morar com ele, viver juntamente ao homem que demonstrava tanto amor por si, mas se sentia insegura. Era uma zona fora de seu conforto habitual. Quando você ama alguém, passa a ser de certa forma um dependente dessa pessoa, pois só o afeto que vem dela pode lhe suprir quando se trata de romance, e, Clementine tinha medo de ser dependente de qualquer forma existente.
— Ainda não sei. — Respondeu com sinceridade.
— Então tome cuidado com seu filho, estão cada vez mais envolvidos. — Perpétua lançou o olhar para Ícaro, que por sua vez conversava com Émile.
— Cuidarei para que ele não tome meu filho. — Clementine riu.
— E eu cuidarei para que ele nunca me abandone. — Ícaro falou finalmente.
— Como pretende fazer isso? — Clementine o olhou por baixo.
— Se você me deixar, eu serei padrinho dele. — Respondeu de forma simples.
— Mon Dieu, ele já tem padrinhos e madrinhas. — A francesa informou.
— Essa gente não serve. — Ícaro encerrou o assunto sem maiores explicações.
— Ícaro pensa que a própria vontade pode mover o mundo. — Clementine comentou com Perpétua.
— Sempre foi assim — a senhora replicou —, não existe obstáculo intransponível quando ele não quer abaixar a cabeça. Ícaro sempre foi esse tipo de pessoa.
— E o preconceito com desconhecidos? — Perguntou a nora.
— Quem não tem? — Foi tudo que a sogra respondeu antes de começar a se abanar com um leque.
Clementine olhou pela janela da carruagem e refletiu que ela tinha razão. Quem não tem preconceito com desconhecidos? E todas as pessoas lidam com isso de maneiras diferentes. Algumas são extremas e desnecessárias, já outros, por sua vez, são amistosos demais e flertam com o perigo. Entre os extremos estão os equilibrados, que tentam conhecer, mesmo após o julgamento prévio, e somente depois disso formam sua opinião.
Se pensarmos com atenção, poderemos concluir, por outro lado, que raramente conhecemos realmente uma pessoa. Já disse algum sábio que o coração é terra que ninguém pisa e nada no mundo exclui a possibilidade de uma desagradável surpresa.
Antônia, por exemplo, parecia ser somente uma menina comum, mas não era. Ícaro parecia um grosseirão, mas ledo foi o engano de julgá-lo assim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tesouro de Clementine (Donas do Império - Livro 2) [Concluído]
Historical Fiction[Romance] Dizem que sorte é quando a oportunidade encontra o preparo. A marquesa de Diamantais ofereceu para senhorita Desfleurs a oportunidade de esconder-se em uma de suas propriedades mais suntuosas. Sem melhores opções, a desesperada grávida ace...