Era madrugada, sete dias depois do casamento de Matilde e Flor Bonita voltara a sua rotina. Os dias anteriores foram quase rotineiros, exceto pelas visitas de Ícaro para cortejar Clementine. Apesar dos beijos roubados pelos cantos, nada demais acontecia.
Então Ícaro propôs à Clementine uma pequena aventura. Como precisariam sair na madrugada, Clementine deixou Émile com Marcel.
Estava ansiosa no quarto e não conseguia ficar sentada, andava de um lado para o outro imaginando o que ela e Ícaro fariam àquelas horas. Será que ele desejava fazer amor de um modo selvagem sobre os capins dos pastos? Deveria ela levar uma toalha para forrar o chão?
A francesa estava perdida entre questionamentos quando uma pedra acertou sua janela. Imediatamente ela abriu e saiu no alpendre para que Ícaro a visse. Era um maluco, se continuasse arremessando pedras como um desvairado só faria quebrar o vidro.
Ícaro acenou para ela e Clementine revirou os olhos.
Quando se encontrou com o homem, percebeu que ele só usava camisa, calça e uma bota simples, nada de vestes elaboradas enquanto ela se dera até ao trabalho de passar carmim no rosto.
— Você está um espetáculo, minha amada. — Ícaro a abraçou pelos ombros e depositou um beijo no rosto dela. — Quem diria que se arrumaria com tamanho capricho apenas para me ver?
— Não me arrumei para você, são minhas vaidades sociais. — Clementine retrucou sem dar o braço a torcer.
— E você irá exibi-las para quem? Para a sociedade dos bovinos nos pastos? — Ícaro riu.
Clementine cerrou os olhos e deu a ele um olhar mortal.
— Se não tem intenção de mostrar a mim algo importante, então irei dormir. — Ela ameaçou. — Tenho uma criança que depende de mim, e como o senhor Silva está ocupado com o casamento da filha, o trabalho de administração é todo meu.
Ícaro segurou o queixo dela e fez com que olhasse para seus olhos.
— Tenho algo muito interessante para mostrar. — Falou em tom que sugeria pecado carnal.
— Ícaro, penso que talvez não seja adequado. — Clementine passeou a mão pela barriga dele e o homem soltou uma risada rouca.
— Tire as mãos dessa região, minha amada... — Avisou. — Ou sua surpresa será um mastro erguido.
Vendo que se enganara, Clementine tirou as mãos de sobre o abdome dele, envergonhada.
— Eu pensei que... — Ela deixou a sugestão reticente.
— Que eu desejava fazer amor selvagem na relva cheia de orvalho? — Ele sussurrou no ouvido dela. — Eu quero, sabe. É bom saber que você também deseja isso. Podemos até mudar os planos.
— Não vamos mudar os planos! — Clementine se afastou para evitar a tentação.
— Então devemos partir imediatamente, pois quatro horas da manhã já se aproxima. — Ícaro segurou a mão da namorada e começou a guiar pelo caminho.
Enquanto caminhavam entre pastos e passavam por cercas, Clementine se perguntava por que precisava ser às quatro horas da manhã. Também ficou impressionada com a luminosidade diferente do céu, que anunciava a chegada da alvorada.
Depois de muito andarem, começaram a subir um pequeno morro através de uma trilha que passava em meio a uma mata pouco larga.
— Já estou com sede. — Clementine reclamou.
Se soubesse que andariam tanto teria colocado calças, pois aquele vestido era infernal de arrastar entre matos e capins, certamente a barra já se via cheia de carrapichos.
Ícaro desamarrou um cantil de água da cintura e entregou para ela. Tinha se prevenido.
— Aguente mais um pouco, já estamos chegando. — Ele pediu.
— Espero que a surpresa compense o esforço. — Ela replicou ofegante.
Ícaro não respondeu, apenas pegou o cantil de volta e amarrou na cintura.
O casal passou pela mata em terreno íngreme e finalmente chegou a uma área aberta de terreno rochoso. Ícaro arrastou a namorada até que ficassem sobre uma rocha. Era o limite daquela terra. Muito abaixo havia um vale coberto pela mata fechada e isso, por si só, já era impressionante.
— Olhe para o céu. — Ícaro pediu.
Clementine olhou e viu a mais fantástica e irreproduzível tela. As estrelas brilhavam com intensidade ímpar e até mesmo aquelas que por natureza são menos expressivas na noite devido à luz lunar, estavam muito visíveis. O lugar era tão alto que a francesa sentiu como se pudesse tocar na imensidão do espaço. Acariciar os pontos brancos da Via Láctea.
A beleza do céu era tamanha que a mulher se comoveu. Os olhos ficaram marejados diante da grandiosidade e perfeição da natureza. Enquanto Clementine viajava pelas estrelas com o olhar, Ícaro chutou para o vale uma pequena cobra coral que se aproximava. Foi tão sem alarde que, para a francesa, aquele momento nunca existiu.
Ícaro praguejou a cobra em mente. Não tinha arrastado a mulher até ali para que um animal estragasse todo o romance.
Bem, era o lar do animal, mas o ser humano tem desses comportamentos.
Sem aviso Clementine jogou os braços sobre os ombros do namorado e o abraçou. Ele aproveitou para apertá-la contra si, absorvendo o calor e a exultação que emanavam dela.
— É fantástico. — A voz de Clementine saiu abafada, pois o rosto dela estava contra o pescoço dele.
Ícaro sentiu o corpo arrepiar quando pensou no calor que emanava daquela boca.
— Podemos aproveitar esse cenário por mais alguns minutos. — O homem soltou Clementine e se sentou na pedra lisa depois a puxou para que se sentasse em seu colo.
Ela atendeu ao chamado e sentou sobre as coxas de Ícaro, abraçou o tórax dele e deitou a cabeça ali. Ao mesmo tempo em que ouvia as batidas do coração do homem e sentia os braços que a enlaçaram, podia ver os pontos brilharem no céu.
Aos poucos os corpos se sincronizaram. O coração de Clementine batia no mesmo ritmo do coração de Ícaro. A respiração dele seguia o mesmo compasso da respiração dela. E o silêncio que se seguiu era confortável como se flutuassem em águas mornas e tranquilas.
Assim ficaram até que os primeiros raios da aurora apontaram no horizonte, indicando que o sol já nascia.
Clementine sentia o corpo em um estado de torpor sem igual.
A caminhada de volta foi para ela como flutuar, mal sentia as pernas de tanta alegria. Quando entrou em casa, ouviu os barulhos dos primeiros trabalhos na cozinha. Correu para o quarto e da própria janela pôde ver ao longe, como um pontinho no pasto, Ícaro ir embora montado em Reinante.
Ela sentiu o coração bater descompassado, teve vontade de segui-lo e dizer coisas que não sabia quais exatamente, mas que precisavam ser ditas.
Sempre pensou no quanto tinha secado por dentro com o passar dos anos, mas de repente era como se uma fonte jorrasse sobre toda aquela aridez e fizesse brotar as primeiras sementes. Tirou todas as roupas e depois se deitou sobre o carpete do quarto, afinal estava muito suja para se deitar no colchão.
Olhou para o teto e ficou relembrando aqueles momentos maravilhosos.
Mal sabia do mal que a espreitava.
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Tesouro de Clementine (Donas do Império - Livro 2) [Concluído]
Historical Fiction[Romance] Dizem que sorte é quando a oportunidade encontra o preparo. A marquesa de Diamantais ofereceu para senhorita Desfleurs a oportunidade de esconder-se em uma de suas propriedades mais suntuosas. Sem melhores opções, a desesperada grávida ace...