Prólogo

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Pleyson se aproximou de mim enquanto eu terminava de trocar o óleo do carburador. Fazia dois dias que eu estava trabalhando na oficina e ele ainda não confiava em mim de jeito nenhum. Tudo o que eu fazia ele observava.

- Sabe... – comecei a falar – Eu sei trocar óleo. Isso não é realmente grande coisa.

Ele me olhou de cara feia.

- Cala a boca e termina logo isso – disse – Ainda tenho mais um serviço para você.

Sorri de lado.

Playson se virou e, como se tivesse levado um susto, parou ao meu lado. Olhei para trás, em direção ao que o incomodava. Senti aquele aperto familiar no peito quando vi seu rosto. Era sempre a mesma coisa. Três meses e parecia que tinha acontecido ontem.

- Oi – ela falou, me encarando.

Não respondi. Fiquei paralisado.

Pleyson se mexeu ao meu lado, desconfortável. Olhou de mim para ela e fez um sinal de que estava de saída.

Encarei o chão e esperei o que viria em seguida enquanto ouvia seus passos se distanciarem. Assim que a porta de seu escritório bateu, ouvi o salto dela bater no chão enquanto se aproximava de mim.

- Pedro...

- O que você quer aqui, Anna? – encarei ela.

Ela suspirou e engoliu em seco, parecendo não saber o que falar.

- Você não precisa fazer isso – eu disse – Eu não preciso da sua pena.

Virei de costas e continuei fazendo meu serviço.

- Não é pena, Pedro. Eu só... – ela engasgou – Eu sinto muito.

Me virei para ela. Eu podia sentir o ressentimento me dominando.

- Não sinta – falei – Aconteceu. A gente não manda no que sente. Isso não é culpa de ninguém. Para de pedir desculpas. Para de tentar se redimir. Para de tentar me fazer sentir melhor porque você não vai conseguir.

Ela ficou ali, parada, os olhos arregalados e cheios de magoa. Eu sabia que ela falava sério quando dizia sinto muito. Eu sabia que ela não teve a intenção de me magoar e também sabia que ainda sentia um grande carinho por mim. Mas era só isso. Carinho. Não era mais amor. Depois de quatro anos, não era mais amor.

- Você sabe que eu nunca quis te magoar – ela disse.

- Não faz diferença.

- Pedro! – ela praticamente gritou.

Estava quase chorando e eu sentia seu desespero. Eu queria me aproximar e tomá-la em meus braços, mas não fiz. Seu abraço já não era mais meu.

Ela respirou fundo.

- A gente ficou junto por quatro anos. Você foi o primeiro e sinceramente eu achei que seria o único. Eu te amei de verdade. Eu te amo – ela parou – Eu só não estou mais apaixonada por você.

Isso foi como uma facada no meu peito. Dei um passo para trás e fechei os olhos, como um reflexo. Eu não queria mais ouvir nada. Eu já tinha ouvido o suficiente.

- Pedro... – ela deu um passo em minha direção.

- Não – eu disse, parando ela.

Ela engoliu em seco e abaixou a cabeça, depois voltou a me encarar.

- Eu não planejei isso, tá? – ela falou – Eu não planejei conhecer ele. Eu não planejei me apaixonar por ele. Você acha que eu queria te magoar desse jeito? Era para ser pra sempre.

- Mas não foi! – eu a interrompi – Eu não estou pedindo suas desculpas. Não estou pedindo que se sinta culpada e nem que tente me consertar. Eu estou cheio disso. Eu não quero sua pena.

- Eu não...

- Eu quero que você vá embora! – cortei ela novamente – Você fez a sua escolha. Então desaparece porque eu tenho uma novidade: você não pode ficar com os dois. Não pode ter minha amizade e o amor dele ao mesmo tempo.

Eu sabia que a estava magoando. Eu não queria, mas eu queria ao mesmo tempo. Eu queria que ela sentisse pelo menos um terço da dor que eu estava sentindo no momento. Eu odiava querer tanto magoar ela. Era irracional e infantil, mas era assim que eu me sentia. Eu estava quebrado e ninguém poderia mudar isso.

- Você não pode me livrar do estrago que você mesma fez – continuei – E para de tentar se livrar da culpa. Eu não me importo se sua consciência está pesada porque estou muito ocupado cuidando de um coração quebrado – respirei fundo – Então só vai embora, por favor. Da cidade, do estado, do país. Só vai embora...

Virei de costas e me apoiei no carro, abaixando a cabeça. Por alguns segundos só pude ouvir sua respiração pesada atrás de mim e mais nada. Até que ela rompeu o silêncio.

- Eu estou indo embora – uma pausa – Estou me mudando para a Alemanha.

Meu coração parou por um segundo. Eu tinha acabado de mandá-la ir embora e de dizer aquelas coisas horríveis, mas aquilo era só meu coração partido falando. Acontece que eu ainda a amava mais do que tudo na minha vida. E se por um lado eu precisava que ela desaparecesse, por outro eu não queria. Eu só queria ela de volta.

Me virei para ela.

- O que?

Ela me fitou, limpou as lágrimas do rosto e engoliu em seco.

- Eu vim dizer adeus – ela suspirou – Estou indo embora com ele. Para sempre – mais uma martelada no meu peito – Dessa vez eu vou te deixar em paz.

Então ela virou de costas e saiu andando, sem olhar para trás. Fiquei parado, fitando suas costas, sem fôlego para ir atrás dela e sem forças para me convencer de que aquilo era o melhor para mim.

Não sei quanto tempo fiquei ali. Um milhão de coisas passava pela minha cabeça e eu só conseguia ouvir o barulho do meu coração se quebrando em pedaços tão minúsculos que eu sabia que ninguém, nunca, jamais, conseguiria consertá-lo.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto enquanto eu respirava fundo e tinha a certeza de que jamais amaria alguém de novo.

O Ardor da PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora