Capítulo 2 - Esquina do Medo

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 Na manhã seguinte Oliver levantou sozinho, seu corpo ainda dolorido havia deixado algumas marcas de sangue seco sobre o lençol. Dona Rute já havia saído para o trabalho como fazia diariamente. Era quase meio-dia, normalmente ela o acordava às seis da manhã antes de ir para o trabalho e participava de uma batalha para acordá-lo, mas naquela manhã parecia que ambos haviam chegado ao consenso de que faltar a aula era a melhor opção. Ainda sonolento Oliver procurou comida na geladeira, antes de perceber que o café já estava pronto na mesa com um bilhete de um versículo bíblico que sua avó sempre deixava.

Dona Rute, extremamente religiosa nunca saia de casa sem deixar um versículo bíblico próximo a comida do neto. Oliver sempre fingia não ler, mas guardava os papéis na gaveta. Quando Lúcia morreu no parto, sua avó havia assumido a missão de cuidar do neto. Decidida a não apagar a memória da filha, jamais havia permitido o neto chama-la de mãe, entretanto isso não impedia de vê-la dessa forma.

A morte da filha havia feito a senhora de quase sessenta anos se aproximar da fé.

Oliver olhou para o versículo enquanto bebia seu café com leite, Romanos 8:28. Era uma palavra bonita, mas pesada. Será que era uma indireta?

Seus machucados estavam melhor, mas preferiu não se exercitar muito.

O cheiro do café impregnava o ambiente, deixando a casa simples com um aspecto mais belo e aconchegante. O cheiro de uma casa consegue mudar a convicção que se tem dela, e o café de Dona Rute era a prova disso.

Oliver pegou mais um pão e um pouco de café com leite e começou a procurar alguma coisa para assistir na tv. Como esperado a programação de meio-dia era chata.

Na ausência de alguma coisa boa para assistir, deixou no noticiário local. Estavam falando de novo daquela tal comitiva de empresários, sobre o jantar que o governador tinha feito para a duquesa estrangeira convidada e a comitiva de empresários que à acompanhava. Oliver não conseguiu ignorar a beleza da nobre. Estatura mediana, loira e olhos azuis, possuía uma postura relativamente altiva, ao lado dela um grupo de homens e mulheres de várias etnias vestidos socialmente pareciam acompanhar cada passo com atenção. A maioria com feições asiáticas, europeias ou negras. Enquanto as imagens da noite anterior eram repassadas, a narradora explicava que naquela sala estavam alguns dos homens e mulheres mais ricos do mundo. Descendentes de refugiados de vários continentes, que tinham achado em Artaxia, um país literalmente no fim do mundo, um lugar para chamar de lar.

Apesar de esclarecedor para qualquer pesquisador, aquilo não deixou de incomodar Oliver. Ver todas aquelas pessoas bem arrumadas, ao passo que ele mesmo passava dificuldades financeiras era incômodo. Já estava prestes a mudar de canal quando a duquesa começou a falar.

No subtítulo a identificação da mulher, "Dayana Brauer, Duquesa de Sabah".

"Acha que essa visita vai melhorar as relações entre seu país e o Brasil?"

Perguntou a repórter animada. A duquesa sorria enquanto falava calmamente para as câmeras e a tradutora fazia seu trabalho.

"Acredito que sim, temos muito para compartilhar com o Brasil, nossas nações acreditam na força do comércio internacional. Espero que esse encontro de empresários e nobres possa aquecer as relações entre o Brasil e o Reino de Artaxia, e possa fortalecer os laços entre nossas nações definitivamente". — respondeu a duquesa prontamente.

"Acha que após esse encontro entre empresários com Vossa Excelência aumentam as chances do Primeiro Ministro visitar o Brasil? " — perguntou a repórter.

A pergunta pareceu incomodar a nobre, mas ela manteve a compostura.

" Acredito que sim. Ele tem estado muito ocupado resolvendo pendências nacionais dentro e fora do reino. Tenho certeza que em uma eventual viagem para a América do Sul, o Brasil seria a primeira nação a ser visitada dada sua importância estratégica e dinamismo econômico"

Respondeu a Duquesa.

Sério mesmo que tem um país do outro lado do mundo está interessado no Brasil? Oliver pensou.

Logo depois a repórter mostrou no mapa a localização do Reino de Artaxia, e começou a dar um monte de informação que mentalmente ele tentava excluir enquanto saboreava o café. A repórter falou que o país era diversificado etnicamente até o ponto que que entre os membros da nobreza deles haviam descendentes de russos, judeus, europeus, chineses.

Em seguida foi a vez de um empresário falar em frente as cameras, esse de fato era rico, pelo que a notícia dizia ele tinha ações em várias empresas de telecomunicações espalhadas pela ásia e oceania. Parecia ter um rosto chinês, tinha uma boa aparência e para para a surpresa da jornalista falava português.

Depois de todo aquele caldeirão cultural, o jovem mudou de canal. Não antes de escutar mais um pouco sobre comércio internacional e sobre os planos do governo.

O dia passou voando. Oliver aproveitou para pesquisar um pouco sobre a família de Júlio nas redes sociais. Encontrou fotos dele com a família, primos e um rottweiler preto. Para sua surpresa uma foto dele com o filho do prefeito.

A noite, quando sua avó chegou conversaram um pouco sobre o trabalho dela. Dona Rute reclamou das dores na perna e falou que os filhos da patroa tinham entrado na faculdade de São Paulo, embora ela não soubesse qual. Talvez empolgada pela conquista dos filhos da patroa perguntou se Oliver já tinha idéia do que queria estudar no futuro. Essa era uma pergunta que até então incomodava. Gostava de biologia, mas sempre achou química também interessante, ficava fascinado em como como as coisas mais simples podiam ser tão vastas. Como uma simples célula funcionava igual a uma cidade, ou como as rochas eram formados por vulcões.

Infelizmente suas notas estavam o envergonhado demais para falar sobre biologia, e denunciavam um baixo desempenho escolar em algumas matérias. Ela perguntou o que ele queria estudar, então instintivamente ele respondeu administração, já tinha escutado algumas garotas da sala falarem dessa faculdade.

— E isso dá dinheiro meu filho? — Perguntou Dona Rute.

— Ainda não decidi Vovó, pode ser esse curso ou outro.

— Qual?

— Talvez economia.

Um silêncio pairou no ar, até que ela fizesse a pergunta que de fato queria.

— E você vai para a escola amanhã Oliver?

— sim — respondeu um pouco relutante.

— Não se preocupe, já falei com o pastor. Pedi para ele conversar com o delegado Bruno. Mesmo o Júlio sendo menor de idade ele vai ter que fazer alguma coisa.

Oliver não tinha muita fé nisso, mas preferiu não discutir. Não sabia se teria que enfrentar outra briga, ou melhor outra surra na manhã seguinte. Apenas torcia para que no meio do caminho o Júlio fosse atropelado ou algo do tipo. Sabia que esse pensamento não tinha nada de cristão, mas ainda lembrava do rosto dos outros alunos, rodeados olhando ele no chão enquanto Júlio e seus amigos chutavam ele, ter platéia era pior que a surra.

Ambos foram dormir. Dona Rute pensando no futuro do neto e Oliver na esperança que o próximo dia fosse melhor, e sem surras.

No dia seguinte acordou um pouco melhor. Era sexta-feira, mesmo que o dia não fosse o melhor, ainda teria o fim de semana para esquecer dos problemas.

Como todas as manhãs tomou banho e comeu seu desjejum antes de sair de casa usando seu tradicional uniforme do colégio municipal, uma calça moletom azul e uma camisa branca com o escudo do município. Em sua mochila preta o caderno e uma tabela periódica plastificada eram tudo de material importante que carregava.

As ruas e casas estavam silenciosas, como se a cidade ainda dormisse profundamente, apesar da manhã agradável a noite havia sido fria, então fazia sentido que todos tentassem aproveitar o sono mais um pouco ainda tentando ignorar os últimos compromissos da semana.

As dores tinham passado, e sabia que mesmo que Júlio fosse o encrenqueiro da cidade, ele não seria maluco de armar alguma coisa, com o delegado da cidade avisado. Pelo menos foi o que pensava até dobrar a esquina a duas quadras da escola e cruzar com Júlio e seus amigos, que pareciam estar esperando ele para um segundo round. 

O Filho do Barão [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora