so we go down the street

2.3K 323 99
                                    


Sou do tipo de gente que quando escuta uma coisa fica o dia inteiro com ela na cabeça. "Se leva minhas necessidades como suas, lhe devo muito". Eu sabia que ia rebobinar sua voz na minha cabeça repetindo essa frase o resto do dia e sentiria meu lábio se repuxar num sorriso teimoso em todas as vezes. Jennie tinha me deixado boba, mas já tinha tempo demais que estávamos caminhando em silêncio, embora fosse confortável e o vento estivesse quente, era estranho não a entreter. Me deparei com uma dúvida fortuita, a descartei com a justificativa de que não era relevante, mas era uma questão insistente. Não poder dizer que gostava dela (e isso por muitos motivos que incluíam: Não seja gay se não pode arcar com isso e pessoas que pediam sanduíche de queijo e pagavam o preço de um Alvorada) já era uma coisa péssima. Ser sujeita a um afastamento já era motivo suficiente para chorar por uma semana ou até enlouquecer. Como eu podia me apaixonar com tanta força e tão rápido... um dia isso me mataria. Jennie Kim era uma garota nova na cidade quando a conheci. Eu ainda tinha que perguntar, mas e se ela precisasse sair daqui também qualquer dia?

Por fim, decidi — decisão essa que tomei em questão de cinco segundos porque não tinha tempo o suficiente para fazer mais considerações pragmáticas. — que enquanto eu pudesse fazê-la se sentir bem — embora isso fosse de encontro com o meu desejo de arrancar com a boca qualquer possível resquício que Kai tenha deixado em seus lábios — eu somente faria isso. Porque quando se gosta de alguém você precisa saber fazer esses tipos de sacrifícios. Tipo ignorar os sentimentos porque sente que é mais importante garantir seu bem-estar.

Sofreria calada dessa vez.

— Lisa, você sabe que estou lhe seguindo?

A olho, levanto as sobrancelhas para seu sorriso singelo.

— O chinês do outro dia era o único que eu conhecia. — Diz ela. — Estamos caminhando lado a lado, desculpa pelo encontro desajeitado, esqueci que eu não sabia onde comprar sorvete.

Explodam filhos da puta, nós temos um encontro. Eu deveria comprar um anel de jujuba? Quais devem ser suas músicas favoritas? E seus gostos para decoração? Nossa convivência de casadas no futuro precisa ser saudável. Eu não quero ter muitas discussões com Jennie. Foda-se Schwarzenegger.

— Me agradece depois por isso, vou assumir a conta de tudo por hoje. Sorte a sua, novata.

— Ah! — Jennie sorri, afetada, e me cutuca. — Está tentando parecer descolada? — Seus dedos estão me pressionando por toda parte enquanto tento desviar. — Não tente parecer legal, foi você quem usou meu gramado de cama.

Nós viramos a próxima esquina e seguimos pelo calçadão das lojas de bugigangas, uma tinha uma bicicleta infantil em destaque por 118 mil wons e um Atari usado em bom estado com um controle e um jogo do Star Wars de 83. Mas não foi lá que entramos, paramos ao lado, uma lanchonete de chão xadrez e paredes azul turquesa, com aquelas cadeiras tamanho duplo em couro branco para as mesas e bancos altos em frente ao balcão para os desacompanhados, chamada Dinner Al'Neds como dizia o letreiro apagado que se acendia às 18:00. Ao lado de um globo apinhado de bolas de chicletes havia uma Lambretta que parecia uma Vespa branca e vermelha que, para quem não conhecia as redondezas, jurava somente ser decoração, mas ela era alugada para quem pagasse alguns wons (ou talvez de graça para quem era cliente frequente desde os 8 anoseu pensei naquela hora que entramos). Haviam discos famosos na parede, sempre fiquei na mesa em frente ao álbum do Tears For Fears e normalmente escolhia Everybody Wants To Rule The World no catálogo da Jukebox.

— Quer refrigerante? — Sugeri. Jennie assentiu rapidamente.

— Pede um de limão ou Coca-Cola por causa das tampinhas. — Ela estava analisando tudo, girando nos calcanhares num tour giratório até que o olhar se demorasse na lambreta. E eu os vi brilhando. — Podemos comprar salgadinhos depois, estou colecionando tazos.

the j of my question zOnde histórias criam vida. Descubra agora