Sou do tipo de pessoa que costuma abusar do direito de fala às vezes, mas ninguém iniciava um diálogo comigo e eu também não ousaria. Nunca posso saber exatamente, mas sempre achei que todos me subestimavam por ser quieta, todos esses otários. Eu sei mais do que digo e prefiro pensar do que falar. Sempre usava "certo" para evitar conversas (ou constrangimentos e outras ocasiões que gostaria de evitar), mas eu ainda poderia ser uma grande matraquinha, não vou esconder nada de você.
Mas aquela noite foi diferente:
— Você está no meu gramado.
— E você na frente das minhas estrelas, então empatamos. — Rebato. Ela até que deu um meio sorriso.
Seu rosto de cabeça para baixo saiu lentamente da minha frente. Me sentei e arrastei os fones de ouvido até o pescoço, ela tinha ajoelhado ao meu lado. Foi a primeira vez que a vi e tinha constado que era a pessoa mais bonita que já havia passado pelos meus olhos, embora eu só tenha dezessete e não tenha vivido muita coisa.
Mas se você pudesse vê-la naquele dia. Ela era muito linda mesmo. Cor de pele, cabelo, rosto, mãos, voz, até a forma como a camisa dos Detroid Pistons caía folgada e se segurava por dentro dos seus jeans, ou ainda os cílios dos seus olhos e o cheiro fraco de sâdalo; o fato de seus brincos brilhantes denunciarem sua riqueza, mas o rosto estava (de alguma forma inexplicável) longe de ser orgulhoso, petulante ou metido como um adolescente rico costumava ser. Havia um Rolls Royce de estética delicada e milionária dentro da sua garagem aberta e ao mesmo tempo em seus pés eu via o couro dispendioso dos seus saltos, roçados pela grama sem nem ligar de preservá-los. Ela não dava a mínima para essas coisas, eu já podia ver, para a grana.
— Você vai ficar aí me olhando? — Ela fez uma leve careta para cobrir o semblante envergonhado. — A cada segundo que passa te acho ainda mais estranha.
— As singularidades das pessoas não deveriam ser definidas por uma palavra que causa uma sensação tão ruim de exclusão.
— Exclusão?
— É. Fui chamada de estranha a vida inteira. Até uns dias atrás isso me incomodava, mas agora me conformei que nunca vou parecer normal o suficiente para ser uma adolescente normal, então me acostumei com a exclusão. Na verdade, é uma surpresa alguém falar comigo por livre e vontade espontânea.
Ela arqueia as lindas sobrancelhas e eu assisto ao movimento. Droga, ela era linda.
— Admiro sua disposição em falar tanto. — Ela soltou uma breve risada anasalada para acompanhar. — Costumam falar "livre e espontânea vontade".
— É, eu sei. Quis mudar a ordem porque eu sou a estranha como você falou antes, não posso seguir padrões ou eu me tornaria normal. Mas vamos falar sobre você. Você é tipo alguém que basta? Ou como eu, não tem ideia do que faz da vida?
— O que seria alguém que basta?
Tracei algumas linhas imaginárias de possíveis explicações que eu poderia lhe apresentar sobre bastar. Mas em todas, ela fazia cara de quem não entendia absolutamente nada, então já que ela era mais uma das milhares de pessoas que eu já senti vontade de impressionar, tentei facilitar as coisas e evitar o possível momento em que ela se assustaria com o fato de eu ser o paradoxo dos adolescentes e se afastaria.
— Você tem quantos amigos?
— Um monte. — Respondeu ela, estirando as pernas e deitando sobre a grama, apoiando o tronco com os cotovelos enquanto encarava o céu. Depois me lançou um olhar que fazia a mesma pergunta, mas eu ignorei.
— Você não deveria falar com estranhos. — Mudei de assunto.
— Lhe vejo passar por aqui todas as noites de bicicleta, por isso que disse que você é estr... singular.

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the j of my question z
Fiksi Penggemarsobre gramados alheios, sobre bastar, tabelas periódicas, sorrisos entre aspas, passeios noturnos e como a pirâmide se desmonta. sobre como o X da questão (a mais difícil de ser resolvida) é na verdade um Z que tem um J. - jenlisa - blackpink - les...