the j in the periodic table

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O chegar na escola foi o mesmo chegar de sempre, nada novo. Passei pelos portões, adentrei o campus, subi as escadas e caminhei pelos corredores. Olhei ao redor para checar se tinha sido percebida por alguém e... não, negativo, tudo na mesma. Mais um dia como qualquer outro. Como sempre eu sou uma peça redonda em buracos quadrados.

Mas o inesperado me pegou várias vezes aquele dia, a primeira mudança foi a aparição de uma novata. Tinha vários calouros esse ano, mas essa era diferente. Ela mudou todo o curso do mapa, trocou as ciclovias, mudou as cores do semáforo, me acelerou totalmente, me fez esquecer onde ficava o freio, tudo isso aconteceu num segundo só, no instante em que a vi no corredor.

Você por aqui, Jennie?

Ela estava com outras duas garotas da elite, Im Nayeon e Cho Miyeon, estava linda com aquele vestido tomara que caia e saltos altos, muito diferente da última vez que a vi, quando trajava uma calça flare e uma nova versão da camisa dos Detroit Pistons, mas não menos bonita. Não havia uma pessoa sequer que passasse por ela e não se abespinhasse com a carne nova sendo exibida. A carne de melhor qualidade no mercado é também uma das mais caras. Normalmente eu ficaria ansiosa para saber quem conseguiria comprar, mas se tratando dela, eu não queria que acontecesse. Eu não queria que ela estudasse nessa escola.

Historicamente — excluindo o fato de ela ser inteligente e interessante já que não são características que as pessoas daqui costumam valorizar — uma pessoa bonita como ela não anda com pessoas tão... tão... bem, tão como eu. Eu não queria fazer parte do famoso momento "desculpe, está me confundindo com outra pessoa, nós nunca nos falamos" o que na verdade quer mais dizer algo tipo: "não me amola, eu sou popular e você o chiclete no meu sapato, então larga do meu pé e me deixar aproveitar o meu, embora não tenha conhecimento ainda disso porque penso que é para sempre, temporário momento de glória". Por essas razões que resumidamente significam: constrangimento, eu passei direto por ela, fingindo que nunca tinha a visto na vida, exatamente do jeito que ela queria que eu fizesse.

Foi exatamente o que eu fiz. O vento da minha passada ao seu lado a atingiu e quando Jennie virou o rosto ela logo percebeu o que eu tinha feito e provavelmente agradeceu por eu já saber como as coisas funcionam.

Mas o inesperado me estapeou o rosto aquele dia, pela segunda vez. Alguém apertou o meu braço, depois alguém sorriu para mim (com suas aspas e tudo), e alguém me perguntou:

— Não lembra de mim, doidinha? — E esse alguém se chamava Jennie.

Normalmente ninguém lembra de mim ou ninguém me vê, mas eu lembro de tudo, infelizmente. Às vezes queria ter amnésia, talvez eu devesse ter uma amnésia, seria mais justo comigo se isso acontecesse, assim eu estaria no mesmo nível que os de mais. Não é, universo? Não iria precisar me preocupar com coisas que só eu acho relevante.

— Quando soube que ia frequentar essa escola lembrei de você, vi o adesivo com a logo do colégio na sua bike. Então pensei em ficar no seu pé já que é a única que conheço. — Ela continuou, e ainda não tinha soltado o meu braço. Eu estava abismada e assustada, me encolhendo enquanto percebia Im e Cho se aproximarem com sobrancelhas erguidas. Jennie estranhando meu comportamento franziu o cenho e fez um bico, abriu a boca para falar algo, mas foi interrompida:

— Hãn, Jennie? Hello? Com quem você está falando? — Im Nayeon pergunta, me olhando com arrogância. Jennie lentamente move a cabeça em direção a ela, depois volta para mim.

— Ah! Ela é a Lisa. Somos conhecidas.

— Certo. E...?

Jennie, estática, moveu os olhos para um lado e depois para o outro, tentando arranjar sentindo no que estava ocorrendo ou procurando o que aparentemente Im Nayeon deixou no ar para ser completado.

— ... Era pra eu saber o que falar agora? — Indaga Jennie, revezando o olhar entre Nayeon e eu. — O que mais eu deveria completar?

Im Nayeon me fita risonha e começa a gargalhar.

— AAH, Jennie, você é hilária. — Ela ajusta a bolsa no braço esquerdo. — Anda, vamos logo. — Chama e começa a andar na frente junto com Cho Miyeon, ultrapassando nós duas.

Um espaço entre ela e Miyeon permanece, um lugar que deve ser ocupado por Jennie durante a caminhada. Mas percebo que continuará vazio quando um braço se enlaça no meu e começa a me guiar, andando comigo para o lado contrário a elas.

— Ei, Jennie! Onde está indo? — Nayeon grita às nossas costas.

Jennie olha sobre o ombro e fala:

— Estou afim de ir por esse lado. Nos vemos depois.

Estar com Jennie por um dia na frente dos alunos mudou muita coisa na minha vida escolar, começando pelo fato de agora as pessoas estarem percebendo que eu existo. Não tenho fascínio por isso, é até interessante passar despercebida pelos arredores, me rende muitas informações. Mas confesso que ser o centro das atenções por algumas horas é tentador, consigo entender o porquê dos status ser tão importante, as pessoas fazem isso se tornar tão necessário quanto respirar.

No jornal de de High Lake, eu fui citada pela primeira vez sem ser na parte de Melhores Notas de High Lake, estávamos bem na introdução de onde seria O Primeiro Dia: "Lalisa Manoban parece estar querendo se encaixar em algum cantinho da pirâmide ao lado de quem automaticamente já tinha um lugar reservado. O que devemos esperar dessa junção inesperada? Quando a primeira discussão acontecer elas vão se voltar uma contra a outra e veremos a guerra do famoso 'quem tem mais poder'? Esse é o último ano da turma mais antiga da história do High Lake, pode apostar, se você é um ser criativo e já imaginou várias loucuras acontecendo esse ano, fique sabendo que vai ser pior, muito pior. É o ano onde suas expectativas serão superadas. À propósito, o casal Chaesoo estava perfeito ao lado do diretor no discurso de boas-vindas, dá-le, Hikers! Calouros!! Esse casal é o topo da cadeia alimentar, não cheguem perto, área proibida." Se eu gostei disso? Fiquei com medo, isso é novidade. Esses futuros escritores roteiristas de High Lake às vezes levam esse lance de informações muito a sério. Como têm tempo de estudar se sua dedicação é 100% voltada a vida estudantil? Tenho certeza que monitorizam até a quantidade de vezes que os topos da pirâmide vão ao banheiro.

Nenhum aluno hoje em dia procura escrever algum artigo de qualidade para o jornal. Quando vão entender que não existe nada de educativo nesse aclamado jornal e cancelá-lo do programa estudantil?

— E então, sei que pode soar indelicado, mas como vai a vida de solitária? — Ela pergunta sorrindo. Estava na cara que Jennie ainda não tinha acreditado que eu realmente não tenho ninguém com quem andar por aí.

— Ah, sabe, é normal. A cada dia você se acostuma mais e quando menos perceber até as portas automáticas param de abrir pra você.

Jennie começa a rir.

Com certeza Jennie era uma exceção admirável à demanda. Era o J perfeito que não tinha na tabela periódica, com substâncias desconhecidas e ligações químicas complexas. Por isso queria entender como ela funcionava, o porquê de sua existência parecer ter grande importância para mim. O que ia acontecer enquanto frequentasse essa escola quando eu sabia que ela era um J que não seguia os demais ou se resignava pelas regras.

the j of my question zOnde histórias criam vida. Descubra agora