This might hurt
Cause we're so high off the ground
(Isso deve machucar, porque estamos muito longe do chão)
Are you sure? - Loote
Olhei para baixo, vislumbrando como as pedras na base do penhasco estavam tão miúdas. Seus formatos alongados carregavam impressões e marcas ocasionadas pelo tempo, e seriam interessantes para alguma foto. Mesmo assim, a ideia de que elas poderiam ser fatais não me escapava da mente.
Eu não iria pular.
Era impossível.
Como que a vida esperava que eu simplesmente me jogasse de cabeça em direção ao desconhecido? Não tem muito sentido. Na realidade, o que fazia sentido em relação a esse sentimento?
Nada.
Absolutamente nada.
Respirei fundo, o ar gélido entrou em meus pulmões e senti como se fosse rasgá-los. Minhas mãos suavam, e eu contive o impulso de entrelaçá-las numa tentativa de diminuir o turbilhão de pensamentos.
Ela me disse que eu poderia confiar, mas eu não consigo, pensei, fechando os olhos por um segundo, tentando me acalmar. Porém, tudo ficou pior, pois os meus batimentos cardíacos acelerados ecoaram em meus tímpanos.
Eu precisava pular. Passei a vida temendo aquele momento, mas não poderia dizer que vivi se não me arriscasse.
— No três. — sussurrei para ninguém em particular, abrindo os olhos com uma nova determinação.
Encarei o céu, as nuvens tão perto que sentia ser capaz de tocá-las. A falta de certeza ainda existente me fez vacilar.
— Um.
Posicionei-me da melhor forma possível, pronto para tomar impulso.
— Dois. — minha voz agora era um fiapo.
Tentei não fechar os olhos novamente e imaginar como seria estar em queda livre. O vento me faria lacrimejar, a sensação de não estar preso a nada me dominaria junto do arrependimento de ter seguido com aquilo. E se ela agisse como as minhas experiências passadas e não me segurasse... Me machucaria feio.
Mesmo assim, eu iria em frente.
— Três!
Gritei, começando a correr em direção à beirada do penhasco. Quando senti um pé já fora do chão, alguém gritou de desespero e se agarrou a minha cintura, puxando-me para trás.
— O que raios você tá fazendo?! — a voz de quem me impediu de cometer uma loucura, perguntou. Estava meio tonto, mas consegui erguer o olhar e vislumbrar meu salvador.
Era ela.
— Você é um menino louco! Eu pedi para me esperar.
— Esperar? — franzi o cenho — Mas... Você pediu para eu confiar em você.
— Sim, e é exatamente por isso que estava terminando uma coisa. — ela se ergueu, estendendo-me a mão, a qual aceitei — Vou te mostrar.
Sua voz estava trêmula e sua figura parecia bamba. Mesmo assim, ela me guiou, entrelaçando nossos dedos, como se quisesse ter mais certeza ainda de que eu não poderia escapar de seu aperto. Percebi ali seu medo de eu tentar pular novamente.
Porém, não era aquilo que deveríamos fazer? Todo aquele nervosismo e tensão entre nós não era paixão? E paixão não se resumia a pular juntos e tentar segurar um ao outro?
Com uma confusão crescente, acompanhei-a e chegamos à lateral do penhasco. Ela hesitou antes de permitir que eu chegasse perto da beirada para ver o que ela havia preparado.
Tábuas de madeira posicionadas da melhor forma que um amador conseguiria, com pregos segurando a estrutura de um modo que denunciavam mais ainda não ter nenhuma orientação de um profissional, formavam uma escada. Uma escada, percebi, que ela havia construído.
— Eu não sou arquiteta, mas eu tentei.
A forma que ela sussurrou chamou minha atenção para seu rosto. Ela esboçava um pequeno sorriso orgulhoso e hesitante, mas então seus olhos encontraram os meus, e reluziram com certeza.
— Eu não quero que nos joguemos nisso de cabeça, prefiro que seja um passo de cada vez. Juntos.
Um alívio misturado com euforia me dominou, e eu a puxei para um abraço. De olhos fechados e com o rosto mergulhado em seu cabelo com cheiro de rosas, descobri uma gratidão crescente, expressada com um singelo "obrigado."
Ela retribuiu o abraço, e então sumimos no momento, um se mesclando ao outro num instante de confiança renovada. Eu finalmente consegui entender o que ela quis dizer com seu pedido para que confiasse em suas ações.
— Não é necessário pular o penhasco. — suas palavras fizeram cócegas no meu pescoço e atingiram minha alma com suavidade — Eu não quero que se machuque.
— Nós iremos descer, então. — sorri, afastando-me para conseguir encará-la — Juntos.
Voltei a segurar sua mão, apertando-a de leve para que ela soubesse que não sairia de seu lado. Fitamos a escada e, antes de eu poder seguir em frente, fui detido mais uma vez.
— Olha, antes de irmos, tenho que avisar que deve ter umas tábuas soltas e...
— Não importa, a gente conserta tudo no caminho. — retruquei a fim de extinguir qualquer receio.
Por fim, com uma certeza que não esperava, pisei no primeiro degrau da escada, puxando-a junto gentilmente. Um apoiando o outro, começamos nossa jornada em direção à base do penhasco.
Ali, eu entendi a diferença entre paixão e amor.
A paixão é veloz, arrebatadora, uma mescla de atos impulsivos e lágrimas. Já o amor é construído aos poucos, com a calmaria de um dia ensolarado, e quando chove, não é uma tempestade destruidora.
E, com ela, eu experimentei a diferença entre eles pela primeira vez.
E esse foi o texto/mini conto metafórico de hoje! O que acharam?
Ele é a primeira parte, pois como estava fazendo eu líricos somente femininos, decidi fazer um eu lírico masculino nesse. Sendo assim, a segunda parte terá uma visão da garota que construiu a escada. Inclusive, espero que a metáfora tenha sido compreensível.
Digo, eu adoro deixar ela meio aberta para que cada um tenha sua interpretação, mas nessa aconteceu da música escolhida (pedi ajuda a terceiros porque realmente estava indecisa em qual música me inspirar) tinha um ar de romance, então saiu essa perspectiva dela, a qual quis ser minimamente mais certeira.
Eu quis meio que mostrar que um amor é mais calmo do que uma paixão? Bom, sei que não são todos que têm essa visão, mas esse é meu pequeno toque no texto da vez. Espero que tenham gostado!
Até o próximo! :3
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Procurando Atmosferas
Diversos"Procurando Atmosferas" é uma coletânea em que minhas inspirações e sentimentos correm pelas palavras escritas, refletindo os novos ares que busquei e decidi explorar. A cada capítulo, uma nova reflexão e, consequentemente, uma nova atmosfera. #8 na...