Summedise Hall, a residência do Duque no oeste do país, situava-se há poucas milhas da cidade de Hereford e do rio Wye. Como Audrey ouvira falar, de fato, tratava-se de um lugar encantador, cuja tranquilidade ela apreciou após 4 dias enfadonhos de viagem, alternados entre o desconforto de dividir uma carruagem com o marido silencioso e estalagens provisórias.
O inverno era frio, de ventos fortes e chuvas constantes durante a noite, mas nada comparado as tempestades que assolavam o castelo em Alnwick. As lagoas traziam promessas animadoras para os dias quentes. E embora a duquesa não soubesse nadar, esperava, pelo menos, submergir os pés durante as caminhadas, quando ocorresse uma mudança no clima.
Apenas seis dias haviam se passado desde que chegara, e ainda teria de esperar mais três semanas para o início da primavera, isso a estava deixando eufórica e ansiosa. Tendo em vista tudo que já conhecia da propriedade, tão logo a temporada mudasse, esperava vislumbrar belas paisagens e desfrutar de um clima agradável.
Apesar da enfadonha agonia que era esperar, seus dias não se resumiam apenas a isso, vinha levando uma vida muito diferente da que imaginou. Logo no primeiro dia em Herefordshire, mesmo com toda aversão ao duque, ganhou dele um Clydesdale, um cavalo extremamente bonito, tranquilo, afetuoso e, para o bem da dona, completamente diferente do Mustang que a derrubou meses atrás.
Todas as manhãs, depois de caminhar por algumas horas sempre com um livro em mãos, Audrey cavalgava pelos arredores. Durante a tarde, atentava-se a cuidar de três crianças. Crianças estas que tomou como responsabilidade ao conhecê-las durante uma caminhada pelo povoado, enquanto buscava se inteirar com a vizinhança.
Ouvira muito falar das condições em que viviam os camponeses daquela região. Chegaram aos ouvidos dela, relatos que frustraram a própria razão de ser e feriram vários dos seus princípios, diante disso não conseguiu se manter indiferente. Após devidamente instalada, saiu a visitar todas as famílias do vilarejo, levando pão e sopa. O grande baque, por assim dizer, ocorreu ao final do segundo dia de visitas, quando entrou na última casa, uma residência extremamente pequena e perturbadoramente suja.
A duquesa se sentiu levemente nauseada, não pela imundice do lugar. O que a angustiou foi o fato de que, em meio ao cenário de extrema pobreza, havia um choro, uma criança, que mesmo tão pequena, chorava como se sentisse toda a miséria a sua volta. A mãe, uma mulher de baixa estatura e rosto avermelhado, tentava consolar a inocente alma. Segurando firmemente um dos seios inchados e carregado de leite, empurrava o bico intumescido contra os lábios infantis, que permaneciam abertos em gritos agudos e desesperados.
A fome e desgraça daquela família, que vivia à míngua, esquecida e carregando sobre os ombros toda a penúria, tocaram-na como se todo o mal fosse conferido contra ela. Nunca tinha visto algo parecido, não tão de perto. Via a pobreza com os próprios olhos apenas agora, antes só a conhecia por relatos e páginas de livros. E toda aquela verdade a respeito da desigualdade entre os homens e o sentimento que, diante disso, provocava-lhe indignação, ganhou proporções maiores.
Por muitos segundos a cena deixou-a paralisada, moveu-se apenas quando um menino a puxou pela manga do vestido, pedindo silenciosamente os pães que mantinha consigo. Imediatamente, outra criança, uma garotinha de meia idade e cabelos castanhos, aproximou-se com olhos igualmente tristes e famintos.
Nunca se sentiu tão desprezível e pequena como naquele momento, todas as lamúrias que ainda martelavam contra a cabeça, diante do que presenciava, pareceram supérfluas e indignas do mínimo sofrimento. Sentou-se em um dos bancos sujos e passou ali o resto da tarde, observando a tudo atentamente e chegando a rir, tendo sido contagiada pela alegria das crianças ao comerem os pães. Uma alegria doce e ingênua, característica das almas ignorantes aos terrores do mundo; ainda assim, uma felicidade pura e distante de qualquer determinação egoísta, pois em sua desobediência a própria epistemologia, não se limitava a uma consciência: transbordava, ao ponto de, rapidamente, transgredir o ser limitante e atingir até os indignos de senti-la.
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O Duque Campbell
RomanceÓrfã de pai e mãe, e após sentir muitos dos dissabores da fatalidade de uma vida de privações e solidão, Audrey Morse está decidida a se tornar preceptora e encontrar no trabalho a liberdade do espírito e o conforto de uma existência com propósito...