Refúgio

49 5 4
                                    

Quando é difícil respirar
Quando é difícil descansar
Da insanidade, do perigo de crer
Do perigo de viver, eu me refugio


Nunca o vi usar tinta. Ele sempre usa técnica de carvão. Sempre desenha com lápis grafite. Sempre mexe com suas fotografias. Mas surpreendentemente, naquele dia, ele usava tinta. E eram as mais variadas cores. Jogadas numa tela de forma harmoniosa e ao mesmo tempo bagunçada. Eram pinceladas bruscas misturadas com pinceladas leves. Eram traços redondos, eram riscos desgovernados, eram traços medidos, eram riscos incertos. A tela inundada de cores. Ele sorriu quando percebeu que estava o observando. Quis saber o nome da tela.

― Cacos-íris.

Meu olho se encheu de lágrimas quando ouvi o que ele falou. Era tão eu. Era a primeira vez que ele usava tinta, era a primeira vez que ele usava uma nova técnica em sua arte. E era para mim. Corri e o abracei. Ele enfiou o nariz em meus cabelos bagunçados e coloridos. Suas mãos acariciavam minhas costas. Eu sabia, que naquele gesto ele permitia que eu entrasse em sua vida por completa. Eu sabia, que naquele gesto, ele deixava grandes dores de seu passado realmente no passado. Ele havia se libertado por mim e com minha ajuda.

.

.

Dentro do teu olhar
No abraço quente
Que eu só posso encontrar


Não percebi quando nos tornamos um trio. Talvez quando fomos juntos enfrentar o Fofo. Talvez ainda na cabine de trem quando ela entrou e implicou com ele dizendo que estava com uma sujeira no nariz tão imperceptível que só ela repararia. Não percebi quando nos tornamos um trio. Talvez quando íamos juntos conversar com Hagrid, ou quando ela se preocupou e nos alertou sobre duelos a noite não serem uma boa ideia. Ou quando ele se machucou no xadrez gigante e ela se preocupou pela primeira vez com amizade e não com estudos ou respeitar as regras. Não lembro quando nos tornamos um trio.

Também não me lembro quando eles resolveram que virar uma dupla era o certo. Mas lembro dos detalhes que me entregavam. A implicância dela com o modo como ele fazia um feitiço de levitar. Quando ele enfrentou aranhas quando ela ficou petrificada. Quando lançou um feitiço errado no Malfoy quando ela foi ofendida com sangue-ruim. Ela o abraçando quando ele disse uma frase simples de que daria tudo certo no julgamento do Bicuço e que estávamos ao seu lado. Num baile de inverno com um boneco de jogador destruído. Num beijo na bochecha antes de um jogo de quadribol no qual ela nunca havia dado em mim naqueles anos todos que eu jogava. No eu te amo jogado ao vento como se não fosse nada antes de terminar com Lilá. Nas mãos constantemente entrelaçadas na caça as horcruxes, no choro agudo dela todas as noites quando ele partiu. Na confissão do medalhão que ele tinha ciúmes de mim. No fim, quando disse que ela era somente minha amiga. No beijo... primeiro beijo que presenciei e tive que separar com muito custo, já que a guerra continuava e não tínhamos tempo a perder. Eles tornaram-se uma dupla, sem minha necessidade por perto aos poucos.

Mesmo se assumindo uma dupla depois que todo pesadelo passou, percebi que ainda precisava do trio. Então construímos casas muito próximas, em um bairro trouxa porque “era bom as crianças terem experiências dos dois mundos” – dizia ela. Tive lágrimas em meus olhos quando se casaram, mais lágrimas quando aceitaram ser padrinhos de meu primeiro filho, mais lágrimas quando virei padrinho de Rose. Estavam lá quando me tornei chefe dos aurores, eu estava lá quando ele assinou sua demissão do departamento, estavam lá quando Gina foi nomeada redatora oficial da parte de esportes do profeta diário, estava lá quando Hermione foi eleita Ministra da magia. Pelo menos uma vez por semana nos reunimos para um jantar, contando as novidades da semana, apaziguando a angustia de todos os filhos estarem em Hogwarts. Éramos um trio, que nos detalhes decidiu virar dupla, que no fim formávamos um quarteto.

Somos Nó(s)Onde histórias criam vida. Descubra agora