Grito mudo

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Falo com você em pensamento
Conto as coisas do meu dia
Da minha vida


Nós dois batemos porta. Ele a do quarto e eu a do banheiro. Primeiro vieram os gritos, depois as palavras e por último o ato de fazer as madeiras soarem mais alto, duras, deixando escapar nossas raivas.

Sei que eu comecei, sempre desconfiando de mim e consequentemente dele. Desconfiando da minha capacidade de conseguir manter uma família. E da possibilidade dele querer uma família justamente comigo.

Estamos juntos há algum tempo, passamos por alguns momentos importantes. Fomos crescendo lado a lado. Mas enquanto me olho no espelho questiono qual o real motivo dele continuar aqui ao meu lado mesmo depois de ter deixado claro o quanto eu sou problema.

Escuto a porta se abrindo. Ele completamente cabisbaixo entrando, me abraçando por trás. Nos encaramos pelo espelho. Ambos vermelhos, cabelos pelas faces. Ambos com os olhos marejados por causa das lágrimas que já haviam caído.

— Sinto muito. – deixo minha voz entrecortada ser a primeira.

— Quando vai me deixar te amar? – Ele me diz ainda me olhando pelo espelho. – Quando vai acreditar cem por cento no meu amor?

Eu sinceramente gostaria de acreditar. De ser toda positiva. De não me agarrar a cada detalhe horrível das pessoas comentando, de ignorar os olhares.

— Por que? Por que você me amaria? – Deixo escapar tentando segurar as lágrimas. – você não deveria estar com alguém como eu. Deveria estar com alguém como aquela sua colega de trabalho.

— Rose! – Sua voz está machucada. Demonstra a dor que lhe causo. – Isso é uma escolha minha. Eu escolho que com quem quero estar.

Me permito virar para ele. Me permito gritar.

— Mas por que eu?

— Porque eu quero. Quero você. Não entendeu que eu preciso de você, escolho você, amo você. – Ele me segura. – Eu decido. E decido ficar com você.

Então ele me beija. Sem se importar com nada. Apenas tentando me provar todo seu amor. Eu queria dizer para ele fugir enquanto ainda havia tempo. Fugir do grande problema que Rose Granger-Weasley pode ser. Mas ao mesmo tempo só quero segurá-lo, mantê-lo junto a mim.

Aceito seu amor. Aceito ser conduzida de volta para sala. Conto sobre meu dia, sobre minha família e aceito escutar sobre ele. Ignoro as vozes em minha cabeça que insistem que ele é muito mais do que eu mereço. Me esforço para substituir pela voz de meu pai, em meio a sorvetes dizendo o quanto Scorpius é sortudo por ele gostar dele. É difícil, mas por um momento sei que nós dois somos sortudos de maneiras diferentes e complementares.

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No meu coração
Eu canto as horas e as melodias
À espera do momento
De ir além da ilusão


Ela mudou para meu micro apartamento. E começou a reparar nas minhas coisas. Nos meus inúmeros desenhos espalhados. Colocados dentro de uma pasta debaixo da cama. Alguns jogados no chão. Outros emoldurados e pregados nas paredes. Outros escondidos no fundo da gaveta. Ela amava encontra-los. Era seu passatempo preferido. Achava e me mostrava falando que poderia tentar vender na internet que era para eu tirar a magia de alguns que se mexiam. Ou que simplesmente os bruxos precisavam de um sistema de vendas a distância por coruja ou se adaptarem a internet para ela conseguir vender mais fácil os que se mexiam. Ela amava fazer isso. Mas começou a reparar em algo. Lily estava ali. Em vários desenhos. Quando nova com seus cabelos assoando num balanço. Quando em Hogwarts sorrindo com o chapéu seletor em sua cabeça. Mais velha rodando num campo com os braços esticados. Numa apresentação de ballet, numa apresentação de canto, num desfile, jogando quadribol. Ela pareceu notar a frequência exagerada de seus desenhos. E começou a olhar triste cada vez que achava um.

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