Capítulo 14

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O silêncio predominava entre as duas. Gizelly foi a primeira a se manifestar.

– Você não precisa me contar nada se não quiser.

– Eu quero – Marcela afirmou – Na verdade, não é grande coisa.

– Como não? Marcela...

– Está tudo bem – a loira beijou o pescoço de Gizelly enquanto aninhava sua cabeça ali – Eu tinha quatro anos, mas eu ainda me lembro de quase tudo... Eu me lembro de sair da cama uma noite, descer as escadas e encontrar mamãe e papai discutindo aos sussurros, só ouvi quando ela disse que seria o melhor a ser feito por mim enquanto meu pai negava.

– E depois?

– Alguns dias depois, assim que papai saiu para o trabalho, ela saiu de casa também – Marcela respirou fundo – Ela pegou uma mala e saiu pela porta da frente deixando Enzo e eu tomando café da manhã.

– Mas vocês eram duas crianças! - Gizelly exclamou horrorizada. Sua mãe podia agir como uma vadia do mal, mas jamais havia abandonado as filhas.

– Isso não contou muito pra ela. Papai chegou a noite e nos encontrou sozinhos, Enzo tinha seis anos e fez sanduíches de manteiga de amendoim para comermos no jantar. Mamãe não voltou no outro dia e nem no outro, papai ficou uma bagunça e meu avô veio para ajudar a cuidar de nós – Marcela fez uma pausa e então continuou – Nós dois ouvimos uma conversa em que vovô dizia que era melhor ela ter um grande motivo para ir embora assim e me lembro que meu pai disse "o que eu deveria ter feito? Deixar ela carregar a menina de um médico a outro e receber sempre a mesma resposta? Não. Marcela fica aqui." Perguntei a Enzo se eu estava doente.

– O que seu irmão fez?

– Disse que não sabia – a loira sorriu fracamente – Acho que até aquele dia nenhum de nós dois tinha consciência do quanto sou diferente e de como isso afetava nossas vidas. Ele só me colocou na cama e me mandou não sair de lá de novo.

– Sua mãe nunca voltou? Nunca ligou ou mandou uma carta?

– Não. E sabe o que é doentiamente engraçado? Ela nos deu as costas e partiu e mesmo assim aquele homem continuou amando-a por anos... Todo ano, na data de sua partida ele se sentava em sua poltrona favorita com uma cerveja e a foto do casamento deles no colo e ficava lá chorando a noite toda enquanto a cerveja esquentava ainda intocada.

– Ele devia amá-la muito – Gizelly sentenciou.

– Sim – Marcela concordou – Uma noite quando eu tinha dez anos fui até meu pai e perguntei se era minha culpa mamãe ter ido embora, nessa altura eu já entendia tudo sobre meu problema...

– Não chame assim – Gizelly interrompeu – Continue.

– OK... Bem, meu pai apenas me encarou sem dizer nada. Eu disse que eu se eu não estivesse ali mamãe ainda estaria com Enzo e ele, que eu deveria ter morrido como a vovó...

– Que coisa horrível Marcela!

– Eu só não gostava de vê-lo triste – Marcela explicou – Enzo sempre foi o filhinho da mamãe e eu a garotinha do papai, e aquela foi a primeira e única vez que ele levantou a mão para mim e eu fiquei lá esperando pelo tapa que nunca veio; ao invés disso, ele me puxou para o seu colo e me abraçou enquanto ordenava que eu nunca mais dissesse aquilo, em hipótese alguma.

– Não é culpa sua. Ela fugiu porque é fraca – Gizelly segurou a mão de Marcela – E ela perdeu a oportunidade de ver a mulher incrível que você se tornou.

Ligeiramente grávidas ( GICELA)Onde histórias criam vida. Descubra agora