•Um último lugar•

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Os dois não falavam muito, o céu negro, salpicado de estrelas e o vidro se embaçando com as pequenas gotículas da friagem mostrava que já era bem tarde. Anne estava perdida em pensamentos enquanto Gilbert dirigia pela rodovia deserta.

-Diz alguma coisa, por favor. – murmurou o rapaz.

Anne deslizou o indicador pela janela embaçada, fazendo círculos enquanto digeria a noite de hoje.

-Amanhã, quando o sinal tocar, isso aqui não terá sido real, Gilbert. O que estamos fazendo, tudo o que você ouviu e viu, eu não terei invadido a casa do Billy, eu não terei visto a Josie, eu não passei a noite ao seu lado. Você estará no seu time, sendo o capitão que todos adoram e lutando pela bolsa numa faculdade decente, eu estarei ao lado dos meus amigos esquisitos, Billy fingirá que gosta de mulheres e Josie continuará humilhando as pessoas, construindo a imagem dela. É isso. – ela comenta de forma distraída, olhando os desenhos que fazia na janela.

-Mas... acho que no fim não me arrependo dessa noite. – ela confessa pensativa.

-Não precisa ser assim, Anne. Eu... bem, eu não quero esquecer essa noite. – O garoto confessa.

-Nem eu. – ela sorri de forma compreensiva. – Mas algumas coisas devem ficar do jeito que é. Sabe disso.

O rapaz suspira pesadamente, ele sabia disso. Ele não poderia criar inimizade com Billy, porque a família dele tem bons contatos nas universidades, ele não podia mostrar amizade com Anne Shirley, porque Jane irá os reconhecer da travessura.

-Podemos passar num último lugar, então? – o rapaz propõe.

-Gilbert, você precisa repousar essa perna.

-Anne, são quatro da manhã, eu não vou dormir por duas horas. Vamos, por favor!

-Gilbert...

-Eu não sei nem porque estou te perguntando, eu que estou dirigindo! – ele simplesmente sorriu e mudou a rota, fazendo a garota revirar os olhos.




-A escola? – Anne pergunta estranhando quando o rapaz simplesmente estacionou na entrada.

A escola estava vazia, só eles no estacionamento. O céu negro começava a ter pequenas manchas rosadas, avisando que logo o sol irá nascer.

-Bom, pensei que podíamos por algumas horas não fingir enquanto estamos aqui. – ele comentou.

Anne o ajudou a andar pelos jardins e entraram pela porta do fundo que sempre ficava destrancada desde que Moody a quebrou sem querer no início do verão.

O casal viu os corredores de armários azuis e foi tão estranho estar ali, silencioso e vazio, onde sempre era cheio e com muitas vozes.

-O que costuma fazer na escola? – Gilbert pergunta deslizando a mão pelos armários enquanto os dois andavam.

-Além das aulas eu participo do clube de jornalismo e de teatro da escola.

-Teatro? Mas eu nunca vi você nas peças.

-Eu que escrevo os roteiros, cuido da direção. – Gilbert olha surpreso a menina. – O que?

-Isso é realmente incrível, Anne. Melhor do que qualquer papel.

Anne levou Gilbert então ao anfiteatro da escola. O rapaz, assim como a maioria dos alunos, só conhecia o palco, então foi bom conhecer por trás dele.

-Aqui é a sala de figurino, o Cole trabalha aqui. – Anne mostrou a sala com cabides de roupas, máquinas de costuras, manequins.

Anne pegou um chapéu de pirata e colocou na cabeça do rapaz que sorriu.

-Todas as roupas passam pela mão do Cole. Ele é muito perfeccionista. – Anne sorri ao lembrar dos surtos do amigo quando a costura não estava do jeito que ele queria.

-A Diana geralmente fica no som, ela é ótima nos efeitos dramáticos. Um som de piano no meio de uma conversa triste, ela chega a pular de alegria.

Gilbert observava o carinho de Anne ao falar dos amigos, e isso o fez sorrir e se entristecer ao mesmo tempo.

-Vocês gostam bastante disso, não é?

-Sim, é ótimo. É melhor ainda poder trabalhar com eles.

Gilbert tirou o chapéu da cabeça, mas ainda o segurava nas mãos enquanto andava pelos corredores. Ele via as salas onde guardavam os instrumentos musicais, os objetos de fundo, o pré palco e a sala de preparação dos atores.

-Deve ser divertido fazer coisas assim com seus amigos. – ele murmura sentando na borda do palco, de frente para a multidão de poltronas.

-Mas você tem amigos. – Anne comenta, sentando-se ao seu lado.

-Com o tempo a definição de amigo perde um pouco o sentido. Se diz um monte de pessoas que estão interessadas em farras e na presença do capitão do time, então sim, eu tenho amigos. Mas... acho que não tenho alguém que eu posso ligar se estiver precisando de ajuda.

Os dois ficam em silencio. Anne invejava como os populares tinham tantos amigos e lugares para ir, enquanto só tinha duas pessoas ao seu lado, mas ali percebeu que tinha o maior tesouro do mundo ao seu lado.

-Eu estou aqui. Pode me ligar, se precisar. – Anne comenta empurrando de leve o rapaz com o ombro, Gilbert sorri, mas não a olha.

-Não faz isso. É deprimente você me olhar com pena.

-Eu? Com pena do Gilbert Blythe? Ah, tá. – Anne ri. – É serio... eu... eu me diverti muito hoje, fiz coisas que nunca faria, mas eu gostei.

Gilbert a encara e viu leveza nos olhos da menina.

-Eu também me divertir muito. – ele confessou olhando Anne. – Quem diria que a menina nerd e o garoto popular poderiam se dar tão bem. – ele comentou fazendo Anne sorrir.

-Eu adoro sua risada, sabia? É gostosa... é... sei lá, verdadeira. – ele comenta.

-O que seria uma risada falsa? – Anne sorri sem entender.

Gilbert se lembra de Ruby rindo excessivamente de qualquer coisa que Gilbert dizia, das meninas fingindo ser algo que claramente não eram.

-Bom, não sei explicar, mas sua risada é boa de ouvir. Só isso. – ele comenta.

Gilbert simplesmente não conseguia desviar os olhos do rosto dela. Era como se, pela primeira vez, visse alguém por inteiro, pelo que realmente é. Anne não era só uma menina muito bonita, ela era uma pessoa boa, uma ótima amiga, uma filha saudosa, era estudiosa e esforçada, tinha uma alma pura, ela era um agrupado de coisas boas e Gilbert jamais achou sentir tamanho carinho por algo que via, e ele via um mundo lindo pelos olhos de Anne Shirley.

 Anne não era só uma menina muito bonita, ela era uma pessoa boa, uma ótima amiga, uma filha saudosa, era estudiosa e esforçada, tinha uma alma pura, ela era um agrupado de coisas boas e Gilbert jamais achou sentir tamanho carinho por algo que via...

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-Bom, eu mostrei um pouco do meu mundo, acho justo me mostrar um pouco do seu. – disse a menina, fazendo Gilbert piscar algumas vezes voltando a sanidade.

-É claro.



Continua...

𝘼𝙎𝙉 || 𝙎𝙝𝙞𝙧𝙗𝙚𝙧𝙩Onde histórias criam vida. Descubra agora