Capítulo 2 - Sou uma filha?

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Como todos os dias chorava em sua escola, e em todas as noites em seu travesseiro, Anne na maioria das vezes estava com seus olhos inchados, e nessa manhã não foi diferente, porém não se importava com isso, ninguém ia ver com sua franja tampando os olhos. Naquele dia não sentia vontade de ir sem o uniforme, apesar de o achar feio. Ela de verdade não se importava, as vezes ia com ele, e as vezes não. Na verdade, era ambígua quanto a importância de quase tudo.

Anne ia sozinha à escola, pois todos os seus irmãos estudavam no Everest, e ela em outra escola bem longe dessa. Pegava um ônibus e chegava em cerca de meia hora. Geralmente, no horário, como a pontualidade era uma de suas maiores virtudes. E foi assim durante toda aquela semana, que foi totalmente monótona e Anne não foi sem uniforme mais nenhuma vez. Estava saindo do prédio da Olave&Marrie, e esperando seus irmãos, Aurora e Bernardo, porque apesar de não poder ser vista com sua mãe, poderia com seus irmãos contanto que ela não estivesse junto, então os 3 sempre iam juntos de volta para casa as 7 ou 8 da noite dependendo do dia. Aurora e Bernardo eram gêmeos, ambos com 11 anos de idade, e os dois eram modelos, assim como todos os irmãos de Anne. Aurora tinha belos cabelos acaju que ficavam ruivos ao brilhar do sol, possuía também sardas fofas e quase tão perfeitas que pareciam ser pintadas à mão, com olhos em um azul vivo, características herdadas de seu pai. Aurora realmente parecia uma boneca, e participava de diversos comerciais em todo o país. Bernardo era mais novo que Aurora por 5 minutos, e possuía o mesmo cabelo acaju e as mesmas sardas delicadas, mas em menor quantidade, ele também possuía olhos mel os quais herdara de sua mãe. Eles eram maravilhosos, e realmente nem pareciam irmãos de Anne devido a tamanha diferença. Anne era diferente de todos em sua família, era mais pálida e rosada, não possuía sardas e era a única com cabelos e olhos negros, todas essas características herdadas de seu pai, da qual possui apenas vagas memórias.

Anne estava dentro do carro esperando seus irmãos. Como era mais velha, ia no banco da frente, e olhava o prédio pela janela, e 5 minutos depois, chegara Bernardo sem a Aurora, e atrás dele, vinha mais alguém, um garoto moreno que parecia pouca coisa mais nova que Anne entrou junto a eles no banco de trás. Ele certamente também era modelo, afinal era muito bonito, e estava muito bem arrumado, usando um terno e gravata borboleta. Anne apesar de conhecer vários, não conhecia todos os modelos da empresa, afinal era muito grande e sempre chegavam novatos. Apesar de sua curiosidade quanto ao garoto e o motivo de sua irmã não está voltando com eles não a fez tirar seus fones de ouvido para perguntar.

Chegaram em casa às 20h, se deparando com Fernando. O homem alto com olhos azuis, cabelo avermelhado e uma barba de dar inveja já os aguardavam. Seu pai também usava terno e olhava de uma maneira deplorável para Anne e Bernardo enquanto recebia cavalheirescamente o garoto estranho. Falou para Anne e Bernardo tomarem banho e se arrumarem, pois iriam sair, e assim o fizeram.

Ela já sabia do que se tratava: O Seu Dia, era assim que chamavam quando algum dos filhos tinha um grande feito em sua vida. Eles sempre usavam suas melhores roupas e iam a um dos mais sofisticados restaurantes de Brasília. Todos possuíam um álbum de fotos onde guardavam suas conquistas e O Seu Dia. O de Aurora era o mais cheio, os talentos e beleza de sua irmã poderia explicar, além de ser a segunda mais velha junto de seu gêmeo. Mas o de Anne era o mais vazio dele, ela era a mais velha dos irmãos, mas isso foi iniciado apenas quando tinha 5 anos, porém ganhou sou primeiro O Seu Dia com 8 anos, quando venceu um concurso de desenho. Para Anne era entendível ter menos, pois não tinha muito do que se orgulhar de seus feitos, pois todos os O Seu Dia eram referentes aos seus desenhos ou competições de música, enquanto seus irmãos eram sempre vangloriados por feitos como conseguir papéis no cinema ou ganhar prêmios internacionais.

30 minutos depois, já estavam todos lá. Era um restaurante na beira do Lago Paranoá, e estavam sentados na mesa mais próxima ao lago. A decoração era esplêndida, e todas as pessoas presente muito bem arrumadas. Anne utilizava seu vestido de gala favorito: grená com mangas longas e brancas, uma saia rodada e diversos laços também brancos, e junto ao vestido, sapatilhas pretas com fivela e uma meia calça branca, e no final usava seu cabelo solto com um delicado laço grená no cabelo. Essa roupa a fazia parecer infantil, mas mesmo assim ela amava muito aquele vestido, e certamente sua franja cobrindo o olho era a única coisa não delicada de seu visual.

Após todos se ajeitarem em seus lugares, fizeram seus pedidos, e rapidamente os pratos chegaram, os pequenos estavam conversando e rindo, brincando com os guardanapos e sendo crianças basicamente. Ao todo, eram 11 pessoas na mesa, 12 se contasse o novo irmão de Anne, que estava ainda no útero. Anne era a mais velha de 8 irmãos nascidos, um feto e de uma irmã por parte de pai da qual nem se lembra. Nunca foi muito próxima dos filhos de Fernando, o seu padrasto, mas até os 4 anos tinha uma relação boa com Yara, sua irmã mais nova por parte de pai. O pouco que se lembra de Yara é que a garota era alguns meses mais nova e lembra dos seus grandes olhos ciganos, que brilhavam como esmeralda. Fazia 10 anos que não via Yara e nem seu pai, mas ela nunca soube o real motivo de não possuir contato com eles.

Seus outros irmãos eram todos parecidos com sua mãe ou seu padrasto. Amália era uma mulher alta de uma pele clara tão perfeita que parecia porcelana, cabelos com um tom entre o ruivo e o loiro escuro, uma combinação que lhe dava uma aura de brilho, como se fosse um raio de sol. E em seu delicado rosto em cima de seu delicado e pequeno nariz haviam sardas tão delicadas quanto. E quanto a Fernando, o seu padrasto era um homem alto, com barba e cabelo impecáveis, um tronco musculoso e olhos vivos e azuis. Assim como Amália e seus filhos, também possuía sardas, mas eram em uma grande quantidade e nem tão delicadas. Aurora, a mais velha depois de Anne, seu gêmeo Bernardo, o terceiro filho, Aruan, e a mais nova deles Alice, eram iguais ao pai. Apenas Bernardo possuía os olhos mel da mãe. E os outros 3 filhos, os gêmeos idênticos Michael e Matias, e Joanne tinham predominantemente as características da mãe. Joanne, em especial, tinha olhos cinza, uma herança de sua avó paterna.

Diante de toda essa diversão, Amália, se levanta, como se fosse dar um anúncio. Anne conhecia essa parte do O Seu Dia, era o momento no qual ia parabenizar um de seus filhos pelo seu grande feito da vez. Anne imaginava que Aurora seria homenageada, e que isso tinha haver com aquele garoto. E estava certa em partes, pois, o que ocorreu foi algo inesperado, e que destruiria Anne:

- Gostaria de tirar esse momento para parabenizar todos os meus filhos. - Amália estava com os olhos mel mais vivos e brilhantes que Anne já vira – Mas primeiramente, Aurora tem uma grande marca em sua vida. Um de nossos modelos, o Andras, está a namorar nossa pequena Aurora.

Vários cochichos dominaram a mesa entre os irmãos, todos pareciam surpresos com a notícia, mas Anne não surpreenderia nem se sua irmã caçula Alice namorasse, mesmo que ela tivesse apenas 4 anos. Mas o namoro de Aurora assustava Anne de certa forma, pois aurora sempre sonhava em ser crescida, muito provavelmente ser a segunda mais velha influenciava nisso. Sempre que fazia algo considerado de “menina grande”, ela se gabava para cima de Anne. Quando Aurora chegou na puberdade e começou a usar sutiãs, tinha a mania de pegar os de Anne e colocar rolinhos de meia dentro. “Meus seios são maiores que o seu, porque sou mais madura”, e quando chegou sua primeira menstruação, Aurora obrigou a todos a que lhe chamassem de senhorita, e não deixava mais Anne te chamar de “irmãzinha”. “Depois desse anuncio de namoro, Aurora vai se sentir a verdadeira adulta” pensou Anne. Contudo, seus pensamentos foram interrompidos pela continuação do anuncio de sua mãe:

- E como todos sabemos, temos que comemorar ainda pela... – Durante a pausa, um largo sorriso acendeu-se em seu rosto, iluminando ainda mais seus olhos mel – Parabéns a todos os meus filhos, irão participar de um ensaio fotográfico de uma marca internacional!

"Todos", uma faca havia perfurado Anne em seu peito naquele momento. Seu mundo parou e tudo que sentia era uma dor imensurável e uma vontade de chorar que era abafada pelos seus pulmões, que se esvaíam e parecia ser a pior sensação que já sentira em toda sua vida. Durante os gritos de comemoração de seus irmãos, sua visão embaçou, e sem pensar muito, saiu correndo violentamente, sem nem ao menos ver para onde ia. "Minha mãe teve coragem de não me incluir com sua própria filha! Se fosse Fernando não me importaria, ele não tem obrigação nenhuma de se sentir meu pai. Mas ela sempre disse que continua sendo minha mãe mesmo com tantos filhos, e agora ela joga esse ‘todos’ como se eu não fizesse parte..." Foram pensamentos que subiram à Anne enquanto corria. Não sabia quanto tempo havia passado, e nem onde estava, mas aquela dor apenas a fazia correr cada vez mais e mais, até dado momento na qual não conseguiu aguentar, desmaiando sem fôlego algum.

Para Anne um arco irisOnde histórias criam vida. Descubra agora