Deitada em sua grande cama coberta por um edredom floral, Kate encarava o teto de pedra. O lustre antigo, pendurado no centro, lançava sombras sutis pelo quarto.
" Eu vou guardá-la para você."
"Por quê?"
"Porque é sua."
A memória daquele dia insistia em reaparecer. Mesmo sendo prepotente e cheio de si, Michael não a julgou. Sua cabeça latejava só de começar a pensar que talvez ele não fosse tão desagradável quanto imaginava.
"Eu matei uma pessoa com ela!"
"Para que você pudesse viver."
"E daí? Continuo sendo uma assassina!"
"Não, você é uma sobrevivente."
Kate rolou novamente na cama. O fato de ele ter agido com tanta naturalidade naquele dia a incomodava, mas ao mesmo tempo... sentia alívio. Alívio por não ter sido julgada, alívio por alguém tentar compreendê-la, alívio por...
ㅡ Ainda acordada? ㅡ A voz de Charles interrompeu seus pensamentos.
ㅡ Perdão, a porta estava entreaberta. ㅡ ela se virou sobre o colchão, encarando-o encostado no batente da porta.ㅡ Tudo bem.
Charles a observava com aquele olhar de quem gostaria de saber tudo que se passava em sua mente.
ㅡ Algo te incomoda. ㅡ sua voz era serena e suave.
ㅡ Hum, isso não é novidade. ㅡ Kate ergueu o tronco, apoiando as costas na cabeceira da cama.
ㅡ Irmã... ㅡ ele se aproximou, agora a encarando de uma forma diferente.
ㅡ Esse olhar não combina com você ㅡ Kate comentou casualmente.
Ele franziu as sobrancelhas, curioso.
ㅡ Que olhar? ㅡ Charles questionou.
ㅡ Não sei... Parece eu, quando era criança e quebrava suas coisas, depois me arrependia. ㅡ ela deu de ombros, arrancando um riso de Charles.
ㅡ Sua percepção é realmente impressionante ㅡ admitiu.
Ele se sentou à sua frente, no grande colchão macio.
ㅡ Eu... ㅡ limpou a garganta, hesitando. Seus olhos castanhos, em tom de mel, fixaram-se nela. ㅡ Gostaria de pedir... ㅡ As palavras pareciam travar em sua boca, uma batalha contra seu orgulho.
ㅡ Desculpa. ㅡ finalmente, ele falou.
"ㅡ Você não a entende, o que não é surpresa para ninguém. Mas deveria pedir desculpas, pelo menos."
Kate piscou, tentando processar o que acabara de ouvir. Após longos segundos, tudo que conseguiu dizer foi:
ㅡ Hum, tudo bem. ㅡ Sua voz soou calma, enquanto olhava para as mãos entrelaçadas em seu colo.
Charles ficou abismado. Para ele, ela era um enigma, um quebra-cabeça que ele nunca conseguia montar. Todos os profissionais que a acompanharam diziam que ela ficava em silêncio durante as sessões ou citava frases de livros famosos para fugir da terapia. A última psicóloga, em San Diego, mencionou algo sobre uma crise constante entre duas versões de Kate, mas não deu muitos detalhes.
Sentindo-se um pouco derrotado, Charles se inclinou e deu um beijo ligeiro em sua testa.
ㅡ Me chame se precisar, sim? ㅡ ela assentiu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Minha tormenta
Mystery / ThrillerAtormentada todos os dias de sua existência por conta do assassinato de sua mãe, Katherine sempre se sentiu na ponta de um penhasco prestes a cair. Felizmente, o destino a presenteou com uma família que sempre esteve pronta para amortecer sua queda...