Minha tormenta

16

Seus olhos cor de mel estavam fixos no móvel escuro, concentrados no movimento meticuloso de sua mão, que deslizava sobre a superfície tentando remover o pó que parecia se recusar a sair. Já era a quinta vez que ele passava o pano no mesmo local, e, ainda assim, a sujeira insistia em permanecer, quase como um desafio à sua paciência.

Ele parou por um instante, respirando fundo enquanto observava a luz suave que entrava pela janela, revelando as partículas de poeira no ar, como se zombassem de seus esforços. O quarto estava silencioso, exceto pelo leve som do pano raspando na madeira polida, e aquele pequeno som o confortava de uma maneira estranha.

Ao mesmo tempo que o irritava, a limpeza era uma tarefa gratificante. Cada detalhe que ele limpava com precisão trazia uma sensação de controle. Era como se, ao focar em algo tão mundano, ele conseguisse afastar as vozes incessantes que ecoavam em sua mente. Essas vozes, uma constante cobrança interna, o pressionavam como um peso invisível, tornando cada momento de descanso uma luta. Limpar o quarto, ao menos, era uma forma de escape, uma maneira de impor ordem no caos, mesmo que fosse só por alguns minutos.

Enquanto terminava de passar o pano mais uma vez, ouviu dois toques leves na porta aberta.

ㅡ Charles? ㅡ A voz de Vini o tirou momentaneamente de sua imersão.

Ele se virou lentamente, seus olhos percorrendo a figura de Vini parado na entrada. Vestido com uma bermuda de linho creme e uma camisa de tecido leve com flores coloridas bordadas, Vini estava, como sempre, irreverente. Os primeiros botões da camisa estavam abertos, revelando um colar de pérolas pequenas, que destoava do estilo, mas ainda assim parecia adequado. No entanto, algo nos pés de Vini capturou a atenção de Charles: um par de all-star amarelo de cano alto.

A expressão de Charles mudou rapidamente, suas sobrancelhas se franziram levemente enquanto seus olhos subiam novamente para encontrar os de Vini, um claro questionamento mudo sobre aquela escolha peculiar de sapatos.

ㅡ Julgar é feio, ''maninho'' ㅡ comentou Vini, com um sorriso brincalhão nos lábios.

Charles desviou o olhar, voltando ao móvel. ㅡ Vão sair? ㅡ questionou, mudando de assunto, enquanto voltava a limpar.

ㅡ Estou entediado. Vou levar a Kate para dar uma volta ㅡ disse Vini, observando o ambiente impecavelmente limpo, quase reluzente.

Charles murmurou um assentimento, sem tirar os olhos do móvel. ㅡ Hum.

Vini sorriu de leve, embora Charles não pudesse ver. Estava prestes a sair quando a voz firme de Charles o deteve.

ㅡ Não a deixe sozinha nem por um instante.

Vini apenas assentiu antes de se retirar. No entanto, algo no tom de Charles, no peso daquelas palavras, ficou martelando na mente de Vini. Era mais do que um simples aviso, parecia um presságio inquietante, algo que ele não conseguia entender por completo, mas que o fez hesitar por um segundo antes de continuar.

Sua mente estava tão embaraçada que ele nem percebeu que já caminhava pelas ruas de Dijon ao lado de Kate há quase meia hora. O som de seus passos se misturava ao leve burburinho da cidade, mas Vini parecia distante, preso em seus próprios pensamentos.

ㅡ O gato comeu sua língua? ㅡ Kate perguntou, quebrando o silêncio e lançando-lhe um olhar curioso. Ela notou que ele não tinha dito uma palavra sequer desde que saíram.

Vini a olhou de soslaio, ainda meio perdido em seus devaneios. ㅡ Hum?

Kate franziu o cenho, claramente intrigada. ㅡ Você está estranho ㅡ comentou, sua voz carregada de desconfiança enquanto o observava mais de perto.