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Charles mal pregou o olho depois que Katherine acordou gritando pela quinta vez naquela semana. A sensação de não poder ajudá-la o corroía por dentro, como se tivesse ácido no sangue.

Quando ele fecha os olhos cansados, a imagem de uma menininha com grandes olhos e cabelo loiro quase dourado vem à mente. Ele tinha 14 anos quando descobriu que tinha uma irmã de 8.

Em outras circunstâncias, talvez ele teria ficado chateado por seu pai omitir a existência da menina. Mas no momento em que foram apresentados, ela estava encolhida em um canto, abraçando as próprias pernas e escondendo o rosto entre elas. Ela se assustava com qualquer barulho alto e temia tudo e a todos.

A chegada da pequena mudou a vida de Charles. Ele, que nunca foi muito fã de contato físico, sentiu uma urgência de abraçá-la e protegê-la.

Quando ela se sentou ao seu lado na banqueta em frente ao seu grande piano, ele sentiu que tinha um propósito: dar a ela um lar seguro.

Charles sempre foi um enigma para os outros, com poucos amigos e uma busca incansável pela perfeição em tudo, até nas posições dos talheres na mesa. Uma raiva incontrolável o dominava quando a "perfeição" não era alcançada.

Quando finalmente sentiu que a escuridão do quarto o acolhia e podia descansar, um som insuportável e familiar o trouxe de volta à realidade. Amanheceu e era hora de levantar.

 Ótimo  murmura cansado.

Ele se levanta e veste sua roupa esportiva combinando com o tênis de caminhada, tudo em tons monocromáticos.

Em passos largos e apressados, chega à cozinha, com enormes janelas de vidro polido que a iluminam completamente. A luz solar entra sem impedimentos.

 Droga  ele exclama, atordoado pela claridade, e esconde os olhos com a mão por um momento.

Sua visão, embora ainda ajustada, parece dolorida. Sobre o balcão de inox brilhante, há uma bandeja de prata com detalhes de ramos, com sua vitamina de gosto duvidoso de 300 ml e uma maçã vermelha.

 Bom dia  a voz de seu pai ecoa atrás dele, surpreendendo-o no momento em que ele prova a bebida horrível. Não era comum o pai estar acordado naquele horário de um sábado.

Ele quase cospe o líquido ao engasgar, mas se controla, indo até a pia para ver a bebida verde escorrendo da sua boca e pelo ralo.

 B-bom dia  responde, tossindo, enquanto seu pai lhe dá leves tapas nas costas.

 Calma, melhorou?  pergunta John, enquanto Charles se endireita, ficando alguns centímetros mais alto. Charles balança a cabeça em sinal de consentimento.

 Já falei para parar de tomar essa gosma  John comenta.

 Não é saboroso, mas é nutritivo - afirma Charles com um sorriso cansado, enquanto liga a torneira para limpar os respingos verdes.

 Nem dormiu, não é?  John observa.  Filho...

O sorriso de Charles desaparece ao desligar a torneira. - Estou bem - afirma, tomando coragem para olhar o pai, cuja expressão de preocupação o incomoda.

 Não precisa ser tão rígido com você mesmo ㅡ Charles já ouviu essa frase inúmeras vezes e gostaria de evitar ouvir tudo pela milésima vez.

 Não se preocupe, estou bem  repete Charles, uma frase bem conhecida por John, que suspira longamente enquanto massageia a testa, pensando no que dizer.

Minha tormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora