Enfaixando o javali

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  Os dois se encaravam de maneira intensa. Ela estava de pé em um canto do quarto, segurando uma boa quantidade de ataduras na mão. Ele estava agachado no canto oposto, prestando atenção em todos os seus movimentos. Um fino fio de sangue escorria dos cortes em seu braço e perna, pingando no chão. Se encaravam como se fossem puxar suas espadas e começar uma briga a qualquer momento.

  S/n avançou, mas Inosuke já estava preparado para isso. Assim que ela chegou perto e estendeu os braços para segurá-lo, ele a desviou com suas mãos. Trocaram mais alguns golpes rápidos e a jovem só não deu uma rasteira para derrubá-lo de vez no chão porque sua perna estava machucada.

  Então ela viu uma abertura. Se fosse rápida o suficiente, ele não seria capaz de impedí-la. Com um movimento rápido como previsto, conseguiu segurar os ombros do rapaz.

  -- Não me toca! - ele resmungou e segurou seus pulsos.

  S/n passou a tentar o empurrar para baixo, mas não era fácil. Inosuke resistia e tentava afastá-la com toda a sua força. A jovem percebeu que os cortes se abriram um pouco mais fazendo o sangue jorrar com mais intensidade, o que fez com que perdesse um pouco a concentração. O que estava fazendo? Estava apenas piorando a situação. Seja útil. Uma voz ecoou em sua cabeça.

  Inosuke aproveitou essa brecha e conseguiu se levantar emitindo um som triunfante no fundo da garganta. S/n ficou surpresa de início, mas logo se recuperou e voltou a usar toda a sua força para forçá-lo para baixo. Iria tratar dos ferimentos dele não importando o quanto fosse teimoso.

  Os momentos seguintes aconteceram muito rápido. A garota só percebeu o que havia acontecido quando foi tarde demais. Talvez Inosuke tivesse escorregado ou o corte da perna resolveu dar uma pontada de dor, pois ele caiu sentado no chão. Como ela não estava preparada, acabou perdendo o equilíbrio e caiu para frente com uma exclamação surpresa. Se Inosuke não tivesse desviado para o lado ela teria caído em cima dele, mas ao invés disso, aterrissou com a cara na parede.

  Doeu, mas não quebrou o nariz e nem perdeu nenhum dente, o que era um alívio. Se afastou lentamente da parede ainda meio atordoada e olhou para seu colega. O corte da perna havia piorado. O sangue escorria intensamente e manchou de vermelho o kimono que ele usava. Tentou tocar em seu braço, mas ele a afastou com um tapa.

  -- Eu já falei pra não me tocar!

  Um sentimento estranho a tomou, mas ela sabia muito bem como definí-lo: culpa. Por causa dela os ferimentos haviam piorado. Sentiu um nó se formando na sua garganta. Não incomode as pessoas.

  -- Você precisa cuidar disso - sua voz soou um pouco mais aguda do que gostaria.

  -- Eu posso suportar!

  S/n não sabia muito bem o que dizer. Em vez disso se levantou e se dirigiu até a porta do quarto. Se sentiu grata por ele não perguntar aonde estava indo. Fechou a porta ao sair e foi pedir para a dona da casa algumas coisas.

* * *


Estava ajoelhada ao lado de Inosuke. Molhou uma toalha em uma tigela com água morna e a torceu. Quando ia passar para limpar o sangue em seu braço, percebeu que ele a encarava desconfiado.

  -- Que foi? Você tá com medo? - só então percebeu o que havia dito. Sentiu o rosto se esquentou um pouco.

  -- Eu não tenho medo de nada! - e bufou.

  Não sabia se não devia ter dito aquilo, mas ele permaneceu quieto enquanto ela limpava a ferida. Provavelmente para provar que não tinha medo de uma toalha úmida. Repetiu o processo algumas vezes e como sabia que ele não iria permitir que ela passasse algum remédio na ferida, simplesmente a enrolou com as ataduras para impedir que sangrassem ainda mais.

  Passou a sua atenção para o corte em sua perna e começou a trabalhar naquilo. Podia sentir os olhos dele cravados em si, mesmo estando usando aquela cabeça de javali, e sentiu vontade de saber o que ele estava pensando. Talvez estivesse apenas desconfiado com o que estava fazendo.

  Terminou o que estava fazendo e limpou a poça de sangue do chão com um pano que restara. Enquanto isso Inosuke se aconchegou em um futon, ficando todo esparramado e apoiou a cabeça nas mãos.

  Guardou tudo e também foi se deitar. Não se sentia muito incomodada com a perspectiva de dividir o mesmo quarto que Inosuke, só esperava que ele não roncasse no meio da noite e não deixasse que ela dormisse.

  -- Ei - ele disse do seu lado. - Eu queria ter pego aquele oni.

  Essa afirmação fez aflorar na sua memória o que ele havia dito antes de se desintegrar, mas não resolveu pensar muito naquilo. Não importava se algum outro oni quisesse matá-la, ela era uma caçadora de demônios e não ia morrer tão facilmente, mas ainda assim era inquietante. Resolveu não comentar isso com Inosuke.

  -- Na próxima deixo o último golpe pra você - respondeu encarando o teto.

  Ele resmungou em resposta.

  -- Por que você quis caçar demônios?

  S/n se impressionou consigo mesma, geralmente não era ela quem puxava assunto com as pessoas, talvez o sono estivesse a afetando.

  -- Pra testar minhas habilidades. Eu sou o mais forte de todos e um dia irei me tornar Deus!

  A garota imaginou Inosuke como uma divindade adorada por todos e teve que reprimir uma risada. Seria um tanto hilário se um monte de gente ficasse orando para um cara sem camisa que usava uma cabeça de javali como máscara. O sono definitivamente estava a afetando.

  Ficou pensando que tipo de Deus ele seria. Deus dos animais selvagens? Combinaria com ele. Não pôde dar continuidade a esses pensamentos pois acabou mergulhando no sono. Teve um sonho muito estranho envolvendo javalis, tigelas de udon e camélias brancas.

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  Aqui vai mais um capítulo pra vcs junto com um glossário\ʕ◑з◐ʔ/:

  Kimono: é um traje japonês tradicional.

  Futon: colchão oriental usado como cama.

  Oni: demônio.

  Udon: tipo de macarrão grosso servido como sopa.

Imagine - Inosuke HashibiraOnde histórias criam vida. Descubra agora