Revivendo o passado

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  S/n olhou para Akira levemente surpresa. Não entendia o porquê dele tentar impedí-la de fazer seu trabalho. A verdade era que ela podia facilmente se soltar daquele aperto fraco e ir embora, mas queria ouvir o que ele gostaria de dizer.

  -- Você n-não pode voltar pra lá - disse.

  Sua voz estava um pouco mais confiante depois de ter suas feridas limpas e tratadas, sem contar que não estava mais com frio. Isso deixava S/n um pouco mais tranquila, mas ainda não entendia o que ele queria com aquilo.

  -- Por quê? - perguntou.

  -- Eles são... muito fortes. E assustadores. B-bem assustadores.

  A garota demorou um pouco para processar o que ele havia dito, há dois anos ele era um medroso. Se assustava até com insetos, mas então percebeu que Akira estava apenas preocupado.

  -- Está tudo bem, eu tenho lutado contra onis faz dois anos. Sei como é.

  Mas ele não a deixou ir, ao invés disso intensificou o aperto no haori.

  -- Você não en-entende - e balançou levemente a cabeça.

  Aquilo devia ter doído, pois ele fez uma careta, mas depois de se recuperar continuou:

  -- Eles são muito fortes. Ma-mais fortes do que aquele outro o-oni, de dois anos atrás.

  -- Eu também fiquei mais forte - murmurou.

  Os dois ficaram em silêncio por um tempo, S/n esperava que Akira a deixasse ir, mas ele continuava a segurá-la ali e ela continuava a não entender o motivo. Será que pensava que era fraca? Que não iria conseguir matar alguns onis mesmo com a ajuda de três caçadores e um demônio peculiar?

  -- Você... tem uma mansão. U-uma família. Seu pai e seu irmão - fez uma pausa. - Eles se importam com você.

  -- Não, eles não se importam.

  Akira a olhou perplexo.

  -- É claro que se importam! - e teve um acesso de tosse, porque forçou demais a voz.

  S/n apressou-se em pegar um copo de água e ajudou ele a beber. Depois de respirar fundo continuou:

  -- Eles se importam - sua voz estava rouca. - Assim co-como... Sua irmã.

  A garota sentiu hesitação em sua voz e ela não podia culpá-lo. Devia ser difícil falar sobre sua noiva que ele tanto amava e que agora estava morta.

  -- É você quem não entende - desviou o olhar para a janela do quarto.

  -- Então explique.

  Foi a vez dela de hesitar. Pensou se devia mesmo despejar todo aquele peso que carregava sobre Akira, até mesmo sua irmã, Yumi, sorria gentilmente para ele e escondia tudo o que acontecia dentro daquela casa.

  S/n respirou fundo e acabou concluindo que não adiantava nada guardar tudo para si, ainda mais porque havia decidido deixar tudo aquilo para trás para caçar onis.

  -- Minha mãe morreu logo depois do meu parto. Você sabe disso - começou. - A verdade é que eles me trataram bem, na medida do possível. Contrataram a Akiko para ser a minha ama de leite, e estava tudo bem. Só que enquanto eu crescia, eu ficava cada vez mais parecida com a minha mãe e isso era doloroso para o meu pai.

  -- Depois que eu completei cinco anos, ele nunca mais falou comigo e mal me olhava nos olhos. Eu só lembro de duas vezes que ele disse algo pra mim: "Não incomode as pessoas" e " Seja útil". Então eu resolvi cravar essas palavras no fundo do meu cérebro, pra nunca mais esquecer.

  Akira era um bom ouvinte, te olhava com atenção e ficava em silêncio enquanto S/n dizia tudo aquilo.

  -- Na época o plano era me arranjar um marido rico e me casar o mais rápido possível. Então eu aprendi um monte de coisas, cozinhar, cuidar de pequenas feridas, bordar, costurar, tudo pra seguir aquelas palavras do meu pai. Tahomaru sempre estava ocupado estudando para suceder nosso pai e a gente mal conversava também.

  -- A única que estava lá por mim era Yumi. Ela brincava comigo, contava seus planos pro futuro, queria se casar com um homem bonito - um pequeno sorriso brincou em seus lábios. - Yumi foi minha única amiga e quase uma mãe.

  Os olhos de Akira começaram a ficar marejados de lágrimas ao relembrar de sua noiva, mas não impediu S/n de continuar sua história.

  -- Um dia um caçador de onis se hospedou na nossa casa. Ele contou suas histórias durante o jantar e eu percebi que aquilo se encaixava perfeitamente com o que meu pai havia me ensinado. Não incomodaria ninguém se viajasse por aí e não parasse em nenhum lugar por mais de uma semana e também seria útil pois estaria matando onis.

  -- Só a Yumi me apoiou - a garota deixou escapar uma risada fraca. - Ela ficava falando que do jeito que eu me dedicava com tudo ia acabar virando uma pilar rapidinho.

  O loiro também sorriu e secou uma lágrima que escorria no canto do olho.

  -- Eu saí de casa e treinei por dois anos com aquele homem. Fui na Seleção Final, passei na Seleção Final e voltei pra casa. Parecia que só ela esperava que eu voltasse. Yumi ficou tão feliz. Ela me convenceu a ir no festival que tava tendo na cidade enquanto esperava minha espada nichirin chegar e eu fui.

  Um nó se formou em sua garganta, mas continuou mesmo assim.

  -- Um oni apareceu lá. Eu saí correndo para casa pra pegar a espada que meu sensei havia me dado, mas quando eu cheguei e cortei a cabeça do oni, Yumi já estava morta.

  S/n piscou várias vezes para não chorar. Agora estava acabando, era mais fácil continuar do que parar de contar sua história.

  -- Eu tive uma febre que quase me matou, sabe. Depois que me recuperei, saí de casa no meio da noite e fuji com a minha nichirin e o uniforme do esquadrão.

  Os dois ficaram em um silêncio absoluto por algum tempo. Falar tudo aquilo havia tirado um peso enorme dos ombros da jovem. Estava tão distraída que só agora percebeu que devia voltar logo para o floresta.

  -- Entendeu agora? Não tem mais nada para mim aqui. Tudo o que eu tenho tá naquela floresta, aqueles quatro...

  Akira a interrompeu:

  -- Quatro? Não eram três?

  S/n pensou um pouco e, sorrindo, respondeu:

  -- Tinha uma garota dentro da caixa.

  O loiro abriu a boca para falar alguma coisa, mas naquele momento a porta foi aberta pela esposa do médico. Ela segurava uma bandeja cheia de comida quentinha.

  -- Cuide-se, está bem? Eu preciso ir.

  Dessa vez ele não discutiu e nem resistiu, deixou que ela fosse embora.

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  Originalmente, eu tinha descrevido a Nezuko como um "oni diferenciado", mas depois de revisar eu achei muito estranho e mudei pra "oni peculiar". (ง ˙o˙)ว

  Enfim, aqui está o passado da S/n. Eu tinha pensado em escrever o último capítulo (16) e esse (17) como um só, mas daí ia ficar muito grande e eu dividi em dois.

  Mais uma coisa: mesmo que o Akira seja um personagem coadjuvante, eu achei que a S/n ia se sentir mais confortável pra falar com ele sobre o passado dela do que com o trio Kamaboko, porque eles se conhecem a mais tempo e tals. ~(˘▾˘~)

  Aqui está o glossário:

  Oni: demônio.

  Haori: jaqueta tradicional japonesa com mangas largas e gola estreita.

  Nichirin: espada usada pelos caçadores de onis.

  Sensei: professor ou mestre.

Imagine - Inosuke HashibiraOnde histórias criam vida. Descubra agora