AGOSTO
Marcela não entende por que Carlos colocou o aparelho auditivo hoje. Ele sempre odiou usá-lo fora da escola e isso até gerou um desentendimento entre os pais para obrigá-lo ou não a usá-lo sempre, quando Carlos era mais novo. Marcela agradece que tenham respeitado a decisão dele.
Toda a sua família deveria estar pegando um avião para Alagoas, onde a tia Beatriz mora, nesse exato momento, mas estão sentados nessas cadeiras duras da sala de espera de um hospital.
Enquanto Carlos segura a mão direita da irmã mais nova, que chora de dor, a preocupação rompe todos por dentro. É por isso que Marcela odeia o frio. É por isso que ela odeia essa doença e por vezes odeia que seus pais tenham se casado.
A anemia falciforme já tinha sido um problema maior na vida de Marcela, quando ela era mais nova, mas melhorou conforme Marcela foi crescendo. Não a dor, ela sempre aparece, mas os riscos não são mais tão grandes.
Essa herança genética, que faz as hemácias adquirirem um formato de foice e algumas vezes deixam o abdômen dela doendo como se tivesse levado uma surra, é a pior parte para Marcela. E as pernas, às vezes doem tanto que a garota acredita que irão cair. Todas as vezes que isso acontece, Marcela se recusa a ver os pais e seus genes estragados, como os chama. Bom, Marcela pelo menos pode pular as aulas de genética no terceiro ano, já que tem médicos falando sobre isso desde que nasceu.
Geralmente, quando uma crise de dor intensa começa, ela fica deitada bebendo água, tomando remédios para dor e sendo mimada pelos pais, mas não foi igual dessa vez. Marcela teve uma febre de mais de 38º e isso alertou os já adormecidos medos do pai, que achou melhor levá-la ao hospital.
— Você pode tirar— diz Marcela, em LIBRAS, e aponta para o aparelho auditivo de Carlos. Acaba de receber um remédio aplicado no soro pendurado em sua veia para dor que está a deixando sonolenta.
— Você pode falar — Carlos fala, soltando poucos sons pela boca enquanto mexe as mãos. — Quero ouvir se você precisar.
— Aqui é um hospital, tem um monte de gente pra me ouvir — explica.
— Eu senti falta da sua voz — fala ele, fazendo-a sorrir e os olhos de Marcela pesam, pedindo que ela os feche. — Boa noite, irmãzinha.
Marcela acorda desnorteada. Arregala os olhos ao notar dez pessoas em seu quarto no hospital sendo que delas apenas Carlos e o Dr. Diego são conhecidos. Marcela aperta a mão de Carlos, que até então não a olhava.
— Descobriram o que você tem de errado — fala Carlos, Marcela precisa ler seus lábios.
— Anemia Falciforme? — Marcela bufa.
— Icterícia — conta o Dr. Diego e Marcela o encara. Cabeça raspada, sobrancelhas brancas e mais rugas no rosto do que é possível contar. — Você lembra o que é?
Ela imediatamente olha as mãos, as ergue abertas na frente do rosto e foca nas unhas amareladas. Marcela lembra o que é e não gosta nem um pouco. Fruto dos cálculos renais, o que explica a dor absurda que Marcela ainda sente na lombar e abdome. Ela fica inquieta ao se ao lembrar do surto de coceira na casa de Lucas, era um sintoma claro, mas nem sua mãe e nem ela notaram.
— Eu tô parecendo uma banana? — pergunta baixo, sua respiração passa a ser desregulada.
— Não — fala o Dr. Diego, ele é médico de Marcela há três anos. — Lembra o que é a bilirrubina? — Sua mãe tinha ensinado esse nome difícil quando ela só tinha dez anos. A respiração de Marcela começa a ficar mais densa a cada segundo.
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⚢ Não Se Apaixone Por Ela ⚢ [Completo]
Teen FictionDestaque no perfil oficial de YA na estante de "Drama"; Destaque no perfil oficial de Romance na estante de "Amor Jovem" e "Toda forma de amor"; e Destaque no perfil oficial de LGBTQ em "Amor Lésbico". Marcela fez planos para o primeiro ano do ensin...