JULHO
Uma aposta no primeiro dia de aula, um beijo em um banheiro e Marcela virou a bruxa má dos contos de fadas de Daiana e Lucas.
Quinta-feira. Lucas veio e está sentado na roda feita no tapete da sala, mas a ignora como se fosse um fantasma. Marcela continua triste. A raiva passou, a alergia também, mas de resto tudo continua horrível para a garota. Ela encara a porta de sua casa quando essa abre de forma inesperada.
— Eu voltei! Antes tarde do que nunca. — Sorri a garota de aparelho nos dentes e pele mais bronzeada do que o costume. Os olhos esverdeados passam pelos amigos sentados no chão e Giulia ergue os braços, esperando abraços.
Marcela se levanta sem pensar e corre até a melhor amiga.
Quando selecionaram a garota de nariz grande no nono ano, Marcela tinha certeza de que Giulia os largaria na primeira oportunidade, mas Lucas insistiu. Ainda bem. Giulia esteve do seu lado em todos os perrengues e principalmente quando Marcela chorou a noite inteira porque o irmão mais velho tinha ido embora.
— Ainda bem que você voltou, Giulia — diz a própria Giulia, com uma voz dramática, enquanto abraça Marcela e espera os dois rapazes se levantarem. Sérgio e Lucas vão até lá no minuto seguinte.
Lucas espera que Marcela esteja a alguns centímetros de distância antes de se aproximar de Giulia. Marcela fecha os olhos ao notar isso. Quando os abraços cessam, Giulia arregala os olhos e os três amigos falam a mesma frase que ela ironizou. Giulia ergue os braços para cima e solta um grito agudo e exagerado. De fato, a mais parte extrovertida do grupo voltou, e olha que essa competição é acirrada.
— É bom ver que não estão feios – ainda. — Giulia diz e dá um passo para trás, querendo observá-los melhor. Passa mão sem seus cabelos vermelhos e encara o rapaz de cabeça raspada, dois metros de altura e um sorriso branco. — Carlos! — grita. — Eu senti sua falta também. —Giulia diz em LIBRAS.
Todos olham para o irmão mais velho de Marcela, parado na porta da cozinha.
— Alguém precisa ser mestre dessa mesa — informa ele e vai cumprimentá-la com um abraço.
Há três dias, Carlos chegou e mesmo Lucas não falando com Marcela, veio vê-lo.
Marcela suspira, sorrindo. Não sabia que Giulia ia chegar para essa partida de RPG, mas Carlos liberou a entrada dela na portaria e planejou sua própria surpresa para Marcela. Ele esteve preocupado com a tristeza dela mesmo antes de chegar no Brasil.
— Como nos velhos tempos — sussurra Sérgio, animado e voltando a formar um círculo no chão.
Desde que só eram Lucas, Marcela e Carlos, a quinta-feira à tarde é hora de jogar RPG. Marcela se senta ao lado de Sérgio e Giulia a segue, sentando-se no tapete fofo que cobre o chão de madeira fria. Lucas fica entre Sérgio e Carlos quando fecham a roda. O irmão mais velho de Marcela tem os papéis do jogo em mãos e olha Giulia.
— Posso? — questiona, assumindo seu local de mestre da mesa.
— Deve — responde Giulia, pegando a ficha de seu personagem que há tempos não era usada.
E foi dessa forma que os amigos de Marcela saíram de zero a bons entendedores de LIBRAS. Era mais difícil para Sérgio e Giulia no começo, os dois não sabiam nada, mas depois de muitas semanas e a paciência invejável de Carlos, Marcela não precisava mais traduzir a maioria das coisas que seu irmão falava.
Marcela desdobra um papel branco e o mostra para os outros, ela desenhou o personagem de todos eles. A maga da floresta de Giulia, sua arqueira, o bárbaro de Sérgio e o cavaleiro de Lucas. Todos detalhados.
— Nossa! Ficou incrível. — Sérgio toma o desenho de sua mão e mostra para Lucas ao seu lado. — Olha você com essa cara de príncipe. Morre rapidinho.
Lucas, no entanto, permanece sem demonstrar entusiasmo enquanto encara Marcela, seu desgosto pela garota permanece. Lucas olha Carlos, exigindo que comecem logo e o mais velho deles passa a recapitular a história e o ponto onde cada um deles parou.
Não foi o jogo mais legal do mundo. Marcela alimentou esperanças de que a raiva de Lucas não fosse mais resistente que uma partida de RPG, mas estava enganada. Carlos fez batata frita para todos no final e Sérgio o ajuda a fritar as últimas delas quando Lucas vai ao banheiro e deixa as duas garotas sozinhas na sala.
— O que rolou entre você e Lucas? — pergunta Giulia, franzindo as sobrancelhas. Marcela suspira e se contorce para encarar a porta fechada do banheiro à direita. — Ma... vocês não ficaram, né?
— Claro que não! — grita. — Até você, mano. Eu e o Lucas somos só amigos. Ou éramos, não sei. Não quero falar disso.
A garota rechonchuda e com sardas no rosto sorri para Marcela e sussurra:
— Tenho uma coisa pra te contar, mas é um super segredo. — Coça a garganta, Marcela engole em seco. — Jura de mindinho?
Levanta o menor dedo da mão direita e Marcela faz o mesmo, depois fica mais perto da amiga. Giulia tem cheiro e bala de café.
— Eu tô namorando. — Arregala os olhos e Marcela ergue as sobrancelhas. Marcela abre a boca para questionar, mas não tem tempo suficiente. — Com uma garota.
VOCÊ ESTÁ LENDO
⚢ Não Se Apaixone Por Ela ⚢ [Completo]
Ficção AdolescenteDestaque no perfil oficial de YA na estante de "Drama"; Destaque no perfil oficial de Romance na estante de "Amor Jovem" e "Toda forma de amor"; e Destaque no perfil oficial de LGBTQ em "Amor Lésbico". Marcela fez planos para o primeiro ano do ensin...