Marcela está gelada. Ela abaixa o mindinho com uma velocidade impressionante e olha para frente quando ouve os passos de Carlos. Ele para e encara as garotas, as duas com cara de espanto enquanto Marcela sente que seu coração pode parar a qualquer instante. Ele não escutou nada, mas o olhar das duas o faz sorrir e erguer as sobrancelhas grossas e pretas como as da irmã. Questiona:
— O que vocês aprontaram?
— Nada — diz Marcela, mesmo que suas mãos tenham tremido no símbolo.
— Controle as sobrancelhas — rebate Carlos. — Eu já te ensinei isso. Vai, vamos comer. — Vira-se de costas e começa a andar até a cozinha.
Merda! Malditas sobrancelhas. Marcela olha para Giulia, que tem seus olhos repletos de expectativas, como se Marcela precisasse falar algo.
— Legal? — indaga Marcela, se colocando de pé e estendendo a mão para a outra, que se levanta logo depois. — Você não tava num convento? — Procura a certeza de que não está em uma realidade paralela.
— Ela é do convento — conta Giulia e sai na frente em direção à cozinha.
Marcela fica parada enquanto encara a garota de cabelos vermelhos abaixo dos ombros sumindo. Pensa se deveria achar aquilo bom ou ruim. Sua melhor amiga estava feliz, certo? Mas namorar uma garota? Os pais de Giulia não vão gostar nada disso. Será que é por isso que ela pediu segredo?
— Marcela! — grita Sérgio e ela se treme inteira.
Caminha descalça e se senta na mesa para comer as batatas fritas encharcadas de óleo. Esqueceu que seu irmão não sabe cozinhar. Olha Giulia, que sorri como se não tivesse dito nada e depois olha Lucas, que está por tempo demais mexendo no celular.
— Falou com ela? — pergunta Marcela em direção a Lucas, todos na mesa param de falar para olhar os dois. — Daiana te respondeu?
Carlos cutuca Giulia e pergunta o que a irmã disse, ela informa e depois encara os dois amigos em conflito.
O rapaz de cabelos castanhos apenas a encara e mexe com a língua no recente piercing que colocou no canto direito da boca. Olha para Carlos, mas depois retorna ao seu celular. Marcela revira os olhos e coloca batatas na boca com raiva. Giulia e Carlos a conversar e último pergunta:
— Por que um convento?
— Tenho uma tia lá — responde — e foi o lugar onde meus pais entraram em consenso que seria melhor. Olha que um acordo entre eles agora é difícil de se ter.
— Eu pensei que fossem te trancar lá igual aqueles filmes de época, sabe? Quando a menina se apaixona por alguém que não devia — comenta Sérgio.
— Eu também. — Marcela, feliz de ter a amiga ali, sã e salva.
— Pelo amor de Deus, nem foi tão ruim assim. — Encara Marcela e pisca, a outra que cora quase instantaneamente. Ainda parece que Giulia espera alguma opinião sobre o que contou.
— Minha mãe chega em dez minutos — fala Lucas, cortando a conversa animada dos outros três. — Alguém quer carona?
Giulia e Sérgio se olham e levantam a mão.
— Você mora perto do Lucas agora? — pergunta Marcela, acostumada a ver Giulia sempre sendo buscada pelo pai porque morava longe de todos.
— Na verdade eu vou de metrô, mamãe está dando plantão hoje — responde Giulia.
— Eu posso te levar. — Carlos, terminando de mastigar. — Nossa mãe vai trabalhar a pé, o carro dela está parado e não me incomodo. — Limpa as mãos na calça, Marcela não controla a careta.
— Por isso eu sempre tive um irmão favorito — sussurra Giulia e depois olha Marcela. — Que cara é essa? Você sabe dirigir?
— Você prometeu que não ia roubar meus amigos. — Marcela fala para Carlos, se levanta e balança a cabeça negativamente.
— É involuntário ser o melhor. — Carlos ri da falsa cara de chocada de Marcela. — Vou buscar as chaves.
Ele volta quando Lucas está colocando os sapatos para descer e Sérgio guarda o carregador do seu celular na mochila. Giulia abraça Marcela e diz que depois elas conversam melhor sobre todas as coisas novas. Carlos avisa que volta logo e encosta a porta depois dos quatro passarem por ela.
Marcela, agora sozinha, encara o quadro da família completa na parede da sala. Seus pais são primos e muito parecidos, exceto pela cor dos cabelos. Não existia nenhuma chance de seus três filhos fugirem das sobrancelhas enormes, por exemplo, mas seria gratificante dizer que eles tiveram sorte e que nenhum dos filhos nasceu com alguma anomalia genética graças a esse grau de parentesco, mas a surdez de Carlos e a anemia falciforme de Marcela impedem. Marcela, na foto, estava sentada no colo do pai e usava uma meia listrada entre rosa e preto, que amava. Carlos deveria ter uns quinze anos, foi quando ele raspou o cabelo pela primeira vez e tinha acabado de colocar um piercing na sobrancelha, tirou três meses depois. Eduarda vestia a jaqueta de couro preta favorita, a foto foi um ano antes do acidente.
Marcela gosta muito dessa foto, sente saudade de quando a família era completa, mas às vezes a odeia na mesma intensidade. Saudade é aquele sentimento quente e amargo.
Ela organizou as almofadas amarelas que jogaram no chão, lavou a louça e varreu a casa antes que seu irmão voltasse. O pai ainda demoraria porque passou no trabalho da mãe e foram juntos buscar a tia Beatriz no aeroporto. Eles vão fazer um jantar de aniversário para as gêmeas: Bianca e Beatriz.
Carlos entra com as mãos na cintura e a encara enquanto Marcela termina de limpar a mesa. Ela para e o olha de volta, na mesma posição. Eles são muito parecidos.
— Ela me contou — fala ele, sorrindo.
— Contou o que? — questiona Marcela, e desiste de limpar o móvel.
— Eu sei do juramento do mindinho, não precisa me falar nada, mas eu sei. — Caminha por ela até a pia da cozinha e lava as mãos, secando-as na calça de moletom.
Ela cruza os braços e o segue. Carlos a olha de novo. Não parece estar mentindo, mas ele passou muitos anos aprendendo a controlar suas sobrancelhas enquanto mentia. Belisca o braço dele com força e ele arregala os olhos descrente.
— O que ela te contou? — pergunta Marcela.
— Não posso falar, jurei de mindinho. — Carlos ri e sai andando em direção ao quarto dos dois.
Marcela corre até a sala e pega o celular, desbloqueia e manda uma mensagem para Giulia.
Marcela [20:50]: Você contou pra ele?
Marcela [20:50]: Pro meu IRMÃO?
Giulia visualiza as mensagens no mesmo instante e logo responde.
Giulia [20:50]: Ele falou pra você? Ele jurou de mindinho
Marcela [20:51]: Carlos não me contou o que você falou, só que disse um "eu sei".
Marcela [20:51]: Espera, como assim? Você contou mesmo?
Marcela [20:53]: Giulia!
Giulia [20:55]: Garota, é a minha vida, relaxa aí
Marcela [20:55]: Eu sou sua melhor amiga! Por que contaria isso pro meu irmão?
Giulia [20:57]: É outra coisa, Marcela. Depois conversamos. Eu te contei um segredo meu, quando vai me contar sobre você e o Lucas?
Ela fecha os olhos e respira fundo, não tem argumentos. Giulia contou um segredo e ela sente que é justo retribuir. Falar sobre Daiana.
Marcela [20:59]: Eu te conto tudo o que aconteceu quando você estava de love com sua namorada em um CONVENTO, mas não vai ser mais estranho do que isso
Giulia manda um emoticon de anjo e um de coração vermelho. Marcela não sabe decifrar o que isso significa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
⚢ Não Se Apaixone Por Ela ⚢ [Completo]
Novela JuvenilDestaque no perfil oficial de YA na estante de "Drama"; Destaque no perfil oficial de Romance na estante de "Amor Jovem" e "Toda forma de amor"; e Destaque no perfil oficial de LGBTQ em "Amor Lésbico". Marcela fez planos para o primeiro ano do ensin...