Capítulo Cinco - Parte 2 🗡

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Jehan Larkin

Sinto um cheiro forte perto do meu nariz, o que me leva a despertar com uma careta. Minha cabeça dói muito e ainda posso sentir o cheiro fresco de sangue, o que automaticamente me faz lembrar de tudo. Rovil está morto... A minha única forma de provar minha inocência não existe mais e isso me leva ao desespero.

As lágrimas caem quentes e grossas por meu rosto. Me sinto um inútil, um idiota por estar nessa situação tão deplorável. Eu tenho um pai morto, o qual me acusam de sua morte, e outro que não quer nem me ver em sua frente e também me culpa por algo que não fiz. Sem contar o meu povo, que nesse momento também está contra mim... Até meu melhor amigo está.

- Ei, eu estou aqui. – Ouço a voz de Elric e logo ele está me abraçando. Fico muito grato em ouvir suas palavras e me aconchego em seu abraço, me sentindo momentaneamente protegido.

Se não fosse por meu predestinado estar comigo, eu não sei o que faria. Elric tem sido minha fortaleza desde que tudo aconteceu, então não o ter, não é nem uma opção.

- O que eu vou fazer, Elric? Me entregar a eles ou passar minha vida toda fugindo de ser condenado por algo que não fiz? – Jogo as perguntas, me sentindo totalmente sem saída nesse momento. Não tenho a mínima ideia de como seguir, Rovil era a minha última e única esperança em toda essa situação.

- Você não vai ser condenado porque é inocente e não vou deixar que nada aconteça a você, nem que eu precise começar outra guerra. – Ele diz, pegando meu rosto em suas mãos, me fazendo olhá-lo.

Encosto minha testa na sua e fecho meus olhos, respirando fundo. Ainda me sinto um pouco nauseado e não sei se é pela cena de mais cedo, mas o cheiro nas roupas de Elric me faz querer vomitar novamente, então me afasto de maneira abrupta, cobrindo minha boca e nariz com a mão.

- Seu cheiro está estranho, vá tomar banho. – Falo e ele me olha sem entender.

- Estou igual a você. – Elric responde e aponta minhas roupas, que estão sujas e com alguns respingos de sangue. Faço uma careta e me levanto, do que percebo ser o sofá.

- Vou me lavar, deveria fazer o mesmo... Seu cheiro realmente está ruim. – Falo e ouço ele rir.

Sinto meu corpo um pouco dolorido e muito cansado. Levo minha mão até minha cabeça e aperto um pouco contra minha testa, tentando conter a dor. Sigo até o único quarto da cabana e tiro minhas roupas pelo caminho, até estar dentro da banheira, que enche com água quente. Me encosto contra a porcelana e fecho meus olhos, enquanto passo a esponja com sabonete por meu corpo. Segundos depois sinto a água se mover e ao abrir meus olhos, encontro Elric, me olhando com um sorriso no rosto. Ele tira a esponja das minhas mãos e começa a lavar o próprio corpo, me provocando um pouco.

- Onde está Haw? – Pergunto e o vejo revirar os olhos. Mesmo com Haw nos ajudando, a implicância dos dois continua intacta. E juro, um dia Elric ainda voa no pescoço dele.

- Foi buscar respostas sobre o que aconteceu hoje. Parece que ele ainda está disposto a te ajudar. – Ele diz e solto um suspiro.

- Não sei como. Minha única chance morreu com Rovil. – Respondo, frustrado.

- Não diga isso, querido. Nós vamos dar um jeito em tudo isso e em breve você estará governando seu reino novamente. – Elric diz e desvio meus olhos dos seus, focando em minhas mãos cobertas por sabão.

- Eu realmente não sei mais se quero isso. Nunca quis governar, mas agora? Isso parece demais para mim, sem contar os erros que já cometi, o que levou a morte de centenas de feérico. – Falo em tom baixo, pois deixar essas palavras saírem é um martírio para mim.

- Você estava sob influência, sabemos que não armou a guerra porque quis. Eu também agi mal naquela ocasião, mas agora não adianta mais se culpar, Jehan, devemos apenas seguir em frente, pois estamos enfrentando uma guerra pior, já que não sabemos ainda quem é nosso inimigo. – Ouço suas palavras e reflito nelas, sabendo que ele está certo sobre isso.

- É, você tem razão. – Falo e volto a olhá-lo, vendo um sorriso em seu rosto.

- Claro que eu tenho, agora vêm aqui. Você precisa relaxar um pouco. – Elric me chama com um aceno de cabeça e sorri de maneira maliciosa.

Balanço um pouco minha cabeça em negação, mas me desloco até ele, me sentando em seu colo. Eu realmente preciso esquecer de tudo por um momento, e nada melhor do que meu predestinado para fazer isso.

(...)

Termino de me vestir após o banho produtivo que tive com Elric, e nesse momento me sinto morrendo de fome. Minha vontade é apenas comer qualquer coisa que ver pela frente e depois dormir bastante em minha cama confortável. Saio do quarto e sigo até a pequena cozinha bem equipada. Não sou lá essas coisas cozinhando, pois nunca tive a necessidade de fazer isso, mas minhas leituras de livros culinários valeram a pena para algo além de passar vontade.

- Acho que Haw chegou. – Elric informa ao passar pela porta da cozinha.

Concordo com um aceno e pego um pedaço de pão, comendo, matando um pouco da minha fome. Sigo com meu predestinado até à pequena sala, no mesmo instante em que a porta se abre. Espero ver Haw entrando sozinho, mas levo uma grande surpresa ao ver Blazh junto a ele. Minha primeira reação é deixar o alimento em minhas mãos cair no chão e então chamas de fogo estão saindo de minhas mãos.

- O que ele está fazendo aqui? – Pergunto na defensiva, olhando fixamente para o homem que eu achei ser meu melhor amigo.

- Calma, Jehan, eu estou aqui para ajudar. – Blazh responde, mas não confio nele. Aliás, não confio em mais ninguém que não seja Elric.

              ⊱⋅ ──────────── ⋅⊰

Elric Redthorn

Reconheço o general feérico.

Blazh está diferente da última vez que o vimos há poucos dias, parece outra pessoa, os olhos estão cansados e até as bochechas imortais parecem mais finas. Olho para Jehan de relance... ainda penso no mal estar que lhe ocorreu... algo nisso me deixa com a pulga atrás da orelha.

Meu parceiro está com o maxilar tenso, respiração leve e olhar frio – parece analisar se Blazh, seu general e melhor amigo outrora, está aqui para nos ajudar realmente ou irá nos trair no próximo segundo seguinte.

- Como eu posso ter certeza que você veio para ajudar? – Jehan retorna a perguntar, na defensiva. – Não sei se você é quem você diz ser.

- Jehan, eu... – Blazh dá um passo para frente no mesmo momento em que eu dou um para a frente. O general feérico respira fundo, os ombros caem. – Você não tem noção o quanto eu andei e corri e cavalguei atrás de você... eu só quero ajudar. Graças aos deuses que Haw me encontrou zanzando por aí...

Vejo Jehan encarar um dos herdeiros de Rafanápolis com um olhar mortal. Haw por outro lado, encara a parede ao lado se abstendo da conversa.

- Entendi. - Jehan interrompe Blazh, suspira fundo. - Não quero ter essa dúvida sobre você, Blazh... então vou acreditar no que você diz.

O general feérico sorri sem mostrar os dentes e não diz mais nada. Por um momento após a morte de Rovil, achei que tínhamos voltado à estaca zero, mas agora com o general junto conosco, talvez não seja um zero redondo. Não mais.

- Posso... conversar com você? - Blazh encara Jehan. - A sós. - acrescenta.

Jehan parece ponderar por uns dois segundos, mas balança a cabeça devagar. Encaro Blazh mortalmente enquanto os dois vão caminhando em direção ao jardim da residência.

- Hummm... pelo menos não peguei vocês dois se pegando dessa vez. - Haw quebra o silêncio depois de algum tempo.

- Hum. - essa é minha única resposta.

Os minutos que esperamos são longos. Haw e eu vamos para uma sala de bebidas para esperar Jehan e Blazh voltarem. Olho pela janela a todo o momento, a conversa é séria, mas vejo preocupação no rosto de Jehan enquanto o general continua a falar e a falar sem parar.

Haw começa a contar algumas histórias de suas aventuras por Rafanápolis, o que não faz o tempo andar mais rápido enquanto ele tenta ser engraçado. Rio no momento certo e faço um “sério?” e “uau” quando necessários.

Quando Blazh e Jehan voltam, o meu príncipe feérico pede para que Haw leve o general até algum quarto e assim ele faz. Jehan me encara depois e solta o ar.

- O que foi? - pergunto me aproximando e o abraçando.

- Parece que o nó só aumenta cada vez mais, Elric... parece que não tem um jeito para sair dessa bagunça toda, sabe? Eu... eu... - ele afunda a cabeça no meu peito e suspira. - Parece que tudo anda para não dar certo, em direção a nossa queda. Ao nosso fim.

- Não seja tão... hum... pessimista. - digo. - Enquanto ainda estivermos juntos, há esperança. Enquanto ainda estivermos longe das mãos do exército do seu reino, estamos bem. Então não é o fim ainda.

- É a antessala para ele... - sorrio com a tentativa de piada dele e beijo sua testa.

- Você parecia preocupado enquanto conversava com Blazh no jardim. - digo, tentando puxar para que ele me conte o que aconteceu, e assim ele faz:

- Porto Larkin está um caos, Elric. Meu rosto está por todos os lados, meu tio é o líder de busca pelas nossas cabeças. A cada dia aumenta milhares de moedas de ouro. Blazh contou que cartas foram enviadas a mercenários de outros continentes para virem a nossa caçada. Principalmente atrás da minha cabeça...

- Não deixarei que isso aconteça. Jamais.

- Você me deixa, às vezes, um pouco bobinho, Elric Redthorn.

Sorrio de ladinho e aproximo minha boca da sua e lhe dou um beijo suave. Me afasto e passo a mão por suas madeixas.

- Você que me deixa. - respondo. - Faz com que eu vire seu cachorrinho só com esses olhares que está me dando agora.

- Quais? - ele se finge estreitando os olhos antes de se afundar mais ainda nos meus braços.

(...)

A mesa do jantar está cheia enquanto comemos. Vinho, porco, frutas, tortas, ensopados. Haw enche sua taça repetidas vezes enquanto rimos de alguma coisa aleatória contada por Jehan. Blazh está um pouco mais afastado, mentalmente, mas ri de algumas coisas.

Depois do jantar caminhamos para fora da mansão e ficamos em uma sacada, sentados em espreguiçadeiras e olhando para as estrelas no céu - constelações mais cheias do que as vistas no céu de Ayllan. Esse pensamento me faz lembrar que até os meus doze anos eu corria a maioria das noites até a torre mais alta do castelo e ficava encarando o Arqueiro do Norte esperando que uma cadente passasse por ele para poder fazer um pedido, como nas histórias que meu pai contava naquela época...

- Qual o plano agora? - pergunta Haw, ainda com uma taça de vinho na mão.

Olho para o lado. Jehan é bom em planejar as coisas, nesse meio tempo sua cabecinha deve ter funcionado para pensar em algo -, acho.

- Não sei. - diz Jehan depois de um momento. - Com Rovil morto, minhas ideias e planos recuaram praticamente ao zero.

- Se pudéssemos conversar com os mortos, pelo menos... - murmuro e vejo os três se virarem na minha direção. - O que? - pergunto.

Jehan sorri.

- Você é um gênio, Elric! Como... como que eu não lembrei que... - ele se levanta da espreguiçadeira. - Vamos, não podemos perder tempo.

- Vamos o que? - pergunto me levantando enquanto Haw e Blazh já estão entrando na mansão novamente.

Jehan para na porta e olha na minha direção.

- Falar com os mortos. - responde ele e estende a mão na minha direção.

Sem saber aonde isso levará, pego na mão de Jehan e o acompanho para dentro da mansão.

               ⊱⋅ ──────────── ⋅⊰

Lyuben Redthorn

Faz dias que saímos de Forte Redthorn, e faz dias que fugimos de dois soldados que meu pai enviou - até essa noite.

- Pronto. - diz Mack limpando a adaga na capa do soldado a nossa frente, está com a boca aberta encarando o céu acima.

O outro conseguiu fugir, com um furo no ombro - graças a mim -, mas fugiu. Olho para Mack, que está arfando.

- Vamos continuar. - ele diz. - Não consegue mais fazer aquilo que fez? De saber agora onde Elric está?

Nego com a cabeça - não tenho aqueles “sonhos” desde... faz dias. Não sei como isso funciona, não sei se são naturais ou se eu os forço a acontecer quando tem algum sentimento comigo, eles simplesmente... acontecem.

- Não devemos estar longe. - digo. - Já passamos pelas montanhas nessa manhã. Não paramos em nenhum momento.

Mack se aproxima de nossas montarias perto de uma árvore.

- Temos que descansar, Lyuben.

- Não nesse lugar. - olho ao redor, lembrando-me onde estou. - Continuamos mais um pouco.

Ele suspira e assente. Me aproximo do cavalo que me foi dado e monto.

- Ainda seguindo o riacho?

- Acho uma boa tentativa. - respondo.

Mack e eu batemos as rédeas e os cavalos aceleram o trote.

Horas parecem se passar e sinto o cansaço e as dores nas minhas coxas por cavalgar o dia inteiro. Acho que está, finalmente, na hora de descansarmos um pouco.

- Acho que... - começo a dizer, mas...

- Shhh.

Encaro Mack depois que ele me manda calar.

- Ouviu isso? - ele pergunta.

Meu corpo entra em alerta. O que ele ouviu que eu não ouvi?

- O que? - sussurro de volta.

A oeste de nós. É deste lugar que o barulho vem. Por baixo das copas das árvores o brilho passa entre as árvores. De um branco esverdeado indo para o rosa e laranja. Uma espécie de aurora boreal ali, embaixo das árvores.

- Eu acho que... - começo novamente, mas Mack já está cavalgando em direção ao brilho, o que, com toda certeza, deveria ser o contrário a se fazer agora.

- MACK! - grito cavalgando atrás dele.

O barulho que ouvimos eram de galhos se partindo por conta da explosão que aurora teve há alguns minutos. Pulo algum desses destroços enquanto Mack está um pouco mais a frente e... então ele some de um momento ao outro.

- MACK! - grito novamente e num piscar de olhos estou dentro de um jardim...

O cavalo abaixo de mim até se assusta com a mudança repentina de cenário. Atrás de nós, a floresta continua, mas a nossa frente uma grande construção brilha com a aurora boreal saindo por cada porta e janela e faz uma dança alucinante pelos objetos em seu jardim.

E Mack já está bem a frente. E enquanto galopo atrás dele, indo impedi-lo de aprontar alguma burrada em uma propriedade feérica tão longe de casa... tudo parece ir mais devagar e eu o vejo... o sinto...

O cenário se esfumaça e estou dentro de uma sala, um corpo em decomposição no meio de quatro homens e um deles... com cara fechada e tampando o nariz pelo cheiro. Elric Redthorn. Então volto para onde estou... parando o cavalo logo atrás de Mack que encara as portas arregaçadas da mansão.

E sei que a aurora foi como um sinal. Um chamado para cá, onde meu irmão está.

Como um milagre ou passe de sorte, o encontramos. Ou melhor, Elric “nos encontrou”.

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Meu Deus, finalmente! Desculpem a demora imensa, jujubas. Espero que ainda tenha leitores .

Espero que tenham gostado do capítulo.

Bjus da Juh, até a próxima 😘😘

Coroa de Sangue  (Mpreg)Onde histórias criam vida. Descubra agora