Capítulo 3

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O caminho até o The Lounge Cafe não era necessariamente longo, mas pela primeira vez pareceu demorar horas.

Nem a voz de Paul McCartney que agora preenchia o espaço do carro parecia dar um jeito naquela maldita sensação que eu sentia no momento.

Sensação que ele causava. Como se soubesse tudo sobre a droga do mundo, ou sobre mim.

Brian encarava a rua por onde passávamos como se fosse a coisa mais esplêndida e interessante de todas, seus lábios se moviam sem proferir nenhum som acompanhando a música.

Parecia relaxado, ou talvez apenas eu estivesse muito tenso.

Quando estaciono próximo ao estabelecimento, John e Freddie já estão nos esperando na porta. Eles dois juntos formavam um casal que não seguia os padrões, mas ainda assim combinavam de alguma forma, eram fofos.

Ao chegarmos até eles, Brian e Freddie trocam um olhar.

Eu sabia que naquele momento os dois estavam se comunicando de uma forma que nós não poderíamos compreender, e eu odiei ser tão curioso.

Quando entramos no local fomos recebidos pelo delicioso cheiro de comida sendo preparada. Havia bastante movimento naquela manhã, e Brian escolheu uma mesa um pouco mais afastada da área que estava cheia de pessoas.

Agradeci mentalmente por isso, e sentei a mesa.

Os três rapazes engataram numa conversa animada sobre um pequeno show que aconteceria num pub popular no próximo final de semana.

Aparentemente somente Freddie conhecia a tal "banda super boa" que tocaria lá, e queria que os outros rapazes também conhecessem, porém não me incluiu, não que isso tenha me incomodado, afinal estaria ocupado tocando naquele dia.

Seus pedidos não demoraram muito a chegar, e tal foi a surpresa ao ver que em meio a três pratos repletos de carne, somente o de Brian era vegetariano.

- Algum problema, Roger? - o cacheado fala ao notar meu olhar para seu prato, sua sobrancelha esquerda levantada. - Gostaria de experimentar também?

Levanto meu olhar pro seu rosto, mas nego em silêncio e passo a comer.

Vez ou outra eu via Freddie me analisando, como se eu fosse algum tipo de estranho, e aquilo estava passando a me incomodar.

Como eu sentia que estava sobrando, assim que terminei o meu prato, levantei atraindo o olhar dos três e aviso que tenho que ir embora.

- Obrigado pelo convite, foi.. ótimo. - "mesmo que tenham fingindo como se eu não estivesse aqui na maior parte do tempo", penso. - Quem sabe a gente se esbarra por aí qualquer dia, até mais.

Me despeço e antes de sair, pago pelo que consumi.

Sinto três pares de olhos queimando as minhas costas, mas não tenho a menor coragem de virar para confirmar se me olhavam mesmo.

Então simplesmente saio dali e entro no meu carro enquanto acendo um cigarro, meu celular vibra avisando o recebimento de uma nova mensagem de Rami, o ensaio seria daqui a 45 minutos.

Dirijo até a casa de Joe que era apenas algumas quarteirões dali.
O estúdio da banda havia sido montado lá pois era mais prático para todos nós.

Acabo encontrando Rami, Ben e Gwil bebendo algumas cervejas, e cumprimento todos.

- Fala pessoal, por que o ensaio teve que ser mais cedo hoje? - falo enquanto pego a cerveja que Rami me oferece.

- O Ben tem um encontro hoje - Joe fala entrando na sala, e os outros dois rapazes começam a zoar o loiro que adquiriu um leve tom avermelhado nas bochechas. Todo mundo costumava dizer que eu e ele éramos muito parecidos, e às vezes até costumávamos brincar dizendo que a gente era irmão. -, ele quer ter um banho da beleza antes.

Ben tenta acertar uma latinha vazia nele, mas erra por alguns centímetros.

- Vê se cala a boca, babaca.

- Então meu irmãozinho tem um encontro? Estou até emocionado. - Falo fingindo limpar uma lágrima imaginária -, as crianças crescem rápido.

Os outros riem e Ben revira os olhos sem conseguir segurar o riso também.

- Desculpa interromper o bromance, mas temos que ensaiar. - Gwilym diz ao checar a hora no relógio, assim todos se dirigem ao estúdio que ficava nos fundos da casa.

Joe fez o teste de som, enquanto eu me direcionava até a bateria, Ben pegava seu contrabaixo e Gwil a guitarra, Rami já tinha um dos microfones sem fio na mão.

Nossa banda foi formada logo após eu ter terminado os estudos da faculdade, conheci os caras aleatoriamente em um barzinho e depois de um tempo acabamos descobrindo que tocar juntos já estava passando de uma brincadeira e se tornava algo sério.

Algumas vezes um tomava o lugar do outro, Ben ia pra bateria, eu pegava a guitarra e Gwil o baixo, éramos o que eu chamava de versáteis em palco.

Porém nada se comparava ao que eu sentia quando tocava minha bateria.

A adrenalina correndo pelas veias, o suor no corpo, os batimentos acelerados e descompassados. Eu não trocava aquilo por nada.

O repertório da banda era repleto de rock dos anos 70 e 80, mas ainda assim tocávamos um pouco do que estava em alta atualmente, além dos clássicos de sempre. Rami possuía uma ótima desenvoltura no palco,e uma voz potente, sabia como captar a atenção do nosso público e quem nos acompanhava há um tempo já o amava.

Depois da última música seco o rosto com uma pequena toalha e bebo uma garrafa de água inteira, meus dedos formigavam e pela janelinha vi que começava a escurecer.

Respiro fundo e sento no chão com os outros enquanto resolvemos as últimas coisas a respeito do próximo show. Geralmente quem ficava responsável pela parte mais burocrática era Joe, ele resolve e depois passa tudo para nós, nunca tivemos um mísero problema, ele era bom no seu trabalho.

Depois de pizzas e mais latinhas de cerveja decido que já estava na hora de ir pra casa.

O caminho dessa vez foi silencioso, as ruas estavam molhadas pela breve chuva que caiu outrora. Eu conseguia sentir o cheiro de terra molhada e também o vento frio que batia com força na pele do meu rosto e bagunçava os meus cabelos que ainda estavam molhados de suor.

Relembro a maneira como fui meticulosamente analisado hoje por Freddie e aquele incômodo volta a rondar a boca do meu estômago.

Eu queria saber qual era o problema. Talvez o problema fosse eu? Não saberia responder essa pergunta.

Uma vez em casa, fui direto ao banho. A água quente escorria pelas minhas costas e relaxava meus músculos tensos na mesma hora.

Evito deixar que meus pensamentos sejam tomados por mais preocupações, então apenas me jogo na cama grande mesmo com o corpo levemente molhado.

Em alguns minutos, acabo dormindo.

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FIRST | maylorOnde histórias criam vida. Descubra agora