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Culpa.
Era minha culpa.
Eu sabia que era minha culpa.
Acreditar que ele estaria assustado com a possibilidade da polícia aparecer era apenas idiota.
Era minha culpa.
Acendi um cigarro, tragando profundamente, como se encher meu pulmão de toxinas fossem, de alguma forma, acalmar todo o tremor absurdo do meu corpo. O vento da madrugada era frio cortante, combinava perfeitamente com as pessoas sem qualquer emoção, entrando e saindo do hospital. Eu estava debruçada sobre o parapeito da área aberta. Eu acho que eu finalmente descobri porque me pendurar em lugares altos e olhar o horizonte era tão viciante pra mim.
O pessoal da igreja apareceu, eu os vi ao longe e fugi, pra evitar qualquer tipo de interação.
Eu sabia como ia ser. A filha delinquente, tão ingrata que sequer veio ao velório da mãe.
Mas não importava. Nada disso importava. Cada um deles carregava uma mancha do sangue dela nas mãos. Desde o fiel mais baixo que apenas dizia que a mulher deve ser submissa ao marido, até o líder religioso que passou minha vida acobertando as agressões que a gente sofria.
Enquanto eles posavam pra foto no enterro dela, eu iria resolver isso de uma vez por todas.
Desde que fui eu quem cheguei com o corpo, eu não podia sair. Havia passado menos de duas horas então a polícia logo chegaria e os seguranças não me deixariam sair de qualquer jeito.
Me esgueirei entre as árvores da decoração, me aproveitando da luz parca do alvorecer, uma delas era alta o bastante pra chegar até a área onde eu estava. Eram cerca de 4 metros até o chão, e foi por onde eu fiz o que eu sabia fazer de melhor.
Fugir.
A mochila sacudia nas minhas costas. Ao longe eu podia ouvir a sirene tocando. Eu saí por pouco, não podia ficar bobeando. Cobri a cabeça com o capuz acinzentado, correndo pelo bairro que naquela manhã, estava estranhamente calmo. Tudo estava calmo, silencioso. Como se o mundo não se importasse o suficiente pra fazer uma cena pra mim.
Nada de chuva, trovões, barulhos de pessoas, gritaria.
Apenas o silêncio e uma brisa tímida.
Enquanto eu corria até o meu destino, eu pensei de novo na minha mãe.
Era estranho.
Nós nunca tivemos a melhor das relações. Desde que aprendi a ver a maldade no mundo pra poder me proteger dela, eu notei que ela manipulava tudo o que eu fazia.
E claro, eu sentia raiva e desprezo imensuráveis por isso. O modo como ela me empurrava a tomar a frente por ela. E como ela não se levantava contra nenhuma agressão.
Mas eu sabia, eu sempre soube, era culpa dele. Como pode alguém ter tanto medo, que não consegue defender a própria criança? Se defender?
Por isso eu tomei a frente.
Todas as vezes que ele me batia, eu tinha certeza, ele se sentia fraco por nunca ver medo nos meus olhos.
Apenas ódio.
E eu acho que eu sempre tive esperança de que eu sairia dali. De que eu iria conseguir. Juntar dinheiro suficiente, e que eu e minha mãe poderíamos finalmente viver de um jeito normal. Que não fosse o clichê mãe-filha, mas que pudéssemos nos olhar sem todo o ressentimento.
Esses anos todos pensando que eu nem me importava tanto sobre meus sentimentos por ela, e agora respirar doía porque eu sentia como se algo, mesmo ainda longe de ser alcançado, tinha sido arrancado de mim de novo.
Conforme eu crescia, eu descobri que eu queria ser a pessoa que protegia, e não a pessoa que violentava, eu defenderia quem já não tinha mais forças pra se defender.
Eu só não tinha noção de que seria tao, tão difícil. Perrie conseguiu tocar essa superfície. E deixou um bilhete dizendo que eu não precisava ser forte o tempo todo.
Era exatamente por isso que eu estava batendo na janela dela, as 5am. Vendo meu reflexo no vidro, bolsas escuras saltavam dos meus olhos vermelhos, e minha forma tremia.
Depois de mais algumas batidas fracas, Perrie desnorteada se levantou da cama. Ela não se deu ao trabalho de arrumar.o cabelo, e veio até a janela, toda adorável, usando pantufas de ursinho e tudo.
A vida poderia ser tão mais simples, né?
— Não que eu esteja reclamando de você sendo a primeira coisa que eu vejo ao acordar, eu só tava pensando que isso seria de outro jeito. — eu abri o que foi o primeiro sorriso genuíno em muito tempo, quis tanto rir de como ela sabia flertar até às 5h da manhã.
— Eu vim perguntar por que você me ama. — eu soltei sem rodeios. Ela pareceu pela primeira vez notar as olheiras e os claros resquícios de choro.
Assumiu uma postura séria de repente.
— Uma pergunta extremamente "Jesy Nelson" a se fazer a essa hora da manhã. — ela inspirou fundo. — Primeiro eu achei que era porque você era toda bad girl e de alguma forma, inalcançável. Mas aí, conforme eu fui chegando mais perto, eu notei, que tudo o que eu mais queria fazer era te alcançar. Como se... E não ria... Como se eu pudesse te proteger. Eu, a garota nerd que é uma bagunça lésbica pervertida e desmiolada, percebi que eu queria tanto proteger algo como se fosse o meu mundo. Aí eu percebi, que eu te amava.
Eu ofeguei. Foi como se alguém estivesse tentando preencher aquele vazio no meu peito com pequenas bolinhas de amor, uma de cada vez. Cada uma daquelas palavras.
Eu me inclinei, pressionando meus lábios nos dela. A luz da manhã florescendo, refletia nas suas mechas douradas, me impedindo de fechar os olhos, apenas porque eu queria admira-la.
Eu queria dizer tanta coisa. Tanta coisa que eu esperava que aquele beijo passasse pra ela. Eu não tinha certeza se conseguiria.
Minha decisão já estava tomada.
— O que aconteceu, Jesy? — eu não conseguia falar nada. Eu abri a bolsa, tomando cuidado pra que ela não olhasse dentro. De lá eu tirei um maço de folhas.
— Suas anotações de química. Eu tirei uma boa nota graças a elas. Quando você vir a Jade, diga que ela é uma idiota por sair com a idiota do conselho estudantil.
Então eu me virei, me desprendendo de qualquer dúvida.
— Te vejo mais tarde, Perrie.
Ela permaneceu me olhando descer da árvore, e eu podia ver que ela estava em choque. Como se sabendo que eu ia fazer algo idiota.
Eu esperava que ela abrisse aquelas anotações e que encontrasse o pesado de folha onde eu tinha escrito "Obrigada". Eu esperava que Jade entendesse que eu estava dizendo que estava tão feliz por ela encontrar alguém que amava.
Eu queria tantas coisas. Mas só tinha uma coisa que eu precisava fazer agora.
Com o peso do mundo na mochila, eu caminhei lentamente até o inferno.
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Essa cena foi tão dolorida de escrever :'(
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they ask me why I love her ▶▶pesy
FanfictionEu sei que eles a odeiam Eles me perguntam por que eu a amo Eu poderia dar um milhão de motivos (e um pouco mais)