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—Por isso, meus caros colegas, eu peço: tenhamos mais cuidado e prestemos mais atenção em nossas crianças. — a mulher loira, ostentando o distintivo da polícia, falava com a voz oscilando entre dor e profissionalismo. — Perdemos uma menina com o futuro todo pela frente, assistimos à queda de suas notas, uma pobre criança forçando sua repetência por medo que não tivessem mais recursos, uma chamada "delinquente" que era vítima de um sistema e de instituições que fecharam os olhos para a violência que ela e sua mãe sofriam. Nossa Jéssica perdeu a vida, mas foi uma heroína até o final. — aplausos se seguiram e adultos estranhamente preocupados enxugaram os olhos. 

— Isso é ridículo. — a garota disse, incrédula ao meu lado. Eu olhei para os grandes óculos escuros e o cabelo preto na altura dos ombros. — "Nossa Jéssica"????

— Shhhh, tenha mais respeito pela morte da garota. — uma voz revoltada falou atrás de nós.

— Sério? — ela abaixou os óculos, fixando os olhos verdes em mim. 

Realmente cansada de tudo aquilo — de novo — eu me levantei, puxando-a comigo. Como já era noite, ninguém notou nossa saída. 

Essa sessão de entrevistas era próxima a praia, então geralmente quando nosso saco estava muito cheio, a gente corria o percurso de 10 minutos até que pudéssemos sentir a areia entre os dedos, na parte mais isolada da praia. 

Eu olhei pra ela, correndo pela praia com os cabelos, agora curtos, balançando ao vento. 

Eu me pergunto porque algum dia duvidei do motivo pelo qual a amava. 

Ela tinha um sorriso idiota no rosto e eu a olhei com desconfiança. 

— Você NÃO VAI— antes que eu pudesse correr, ela tinha me agarrado e pulado no mar. Só na margem, onde ela podia me segurar no colo e mergulhar sem perigo.  — Olha o vento FRIO que tá e você continua com essa idiotice de ficar jogando a gente na água, você quer morrer?????

— Bom, tecnicamente, eu já estou morta. — ela deu de ombros, mergulhando e voltando com aquele sorriso lindo no rosto.

— Jéssica está morta. — eu pisquei, jogando meus braços ao redor dos ombros dela e selando nossos lábios. Caminhamos juntas até a areia, onde nos encostamos em uma grande pedra. O céu estava limpo de nuvens, parecia um tapete de estrelas. 

— Eu nunca tinha vindo a praia antes. — ela olhou pra mim, rindo como uma criança excitada com a viagem. Então seus olhos verdes se voltaram pra cima. E deus sabia o quanto eu não entendia algum dia ter duvidado do motivo pelo qual eu a amava.

Um ano havia se passado. Eu sentia a angústia só de lembrar daquela época. 

Tudo aconteceu como uma avalanche. A polícia levou Jesy presa, e as notícias começaram a percorrer mais lugares do que deveria rápido demais. 

Então, minha mãe moveu os contatos que conhecia. Conseguiu que uma promotora e uma juíza conhecidas levassem o julgamento, para que fosse feito de forma justa. Mas tudo se complicou com o conteúdo do pendrive. Jade tinha feito um trabalho incrível. Tinha fotos e mais fotos de Jéssica e sua mãe machucadas, vídeos gravados a distância de John praticando as agressões, provas de que a igreja o acobertava e fichas dos tais "negócios" que eles tinham juntos. Jade não quis dizer quem, apenas que uma conhecida conseguiu as gravações da rua do dia em que fomos atacadas em frente a minha casa. 

Tentaram negar, é claro, mas a exposição dessas provas coincidiu com o laudo do IML de que senhora Janice foi assassinada e que havia resíduos de pele dele embaixo das unhas dela, atestando a luta corporal. 

Com isso, minha mãe (e a advogada que contratou) conseguiu alegar à juíza que Jesy havia agido sob forte emoção desestabilizadora, a morte da mãe e sob legítima defesa, o medo de ser morta também. 

O caso repercutiu nacionalmente, o que levou minha mãe a iniciar palestras de alerta à violência doméstica e aos sinais que os adultos precisavam ver nas crianças.

Todo o julgamento do processo correu em extremo sigilo, por ser um caso tão delicado, no final foi decidido que Jesy era uma vítima e que precisava ser colocada sob programa de proteção à vítima e as testemunhas. Por baixo dos panos, foi disseminada a história de que Jesy havia morrido antes de ser presa, e finalmente foi dado o desfecho trágico à história trágica, acalmando a mídia sensacionalista.

E foi assim que minha mãe se tornou legalmente responsável, durante período de reabilitação emocional estabelecido pela juíza, por Louise White, minha namorada. 

Talvez eu sentisse um pouco de falta da bad girl durona, rebelde, pervertida e agressiva, mas eu certamente não trocaria nem um centímetro da minha bad girl, durona, rebelde, pervertida e que me acordava de manhã com os olhos verdes mais lindos. 

— Eu amo você. — sua voz repentinamente chamou minha atenção, eu prendi a respiração sob o céu estrelado, suas íris saindo dos pontinhos brilhantes e prendendo em mim.

Era a primeira vez que ela falava isso. 

Era a primeira vez e eu mal conseguia registrar as palavras.

— Fala isso de novo.

— Eu amo você. Me desculpe por não conseguir dizer antes, eu juro que tentei, mas sempre ficava preso na garganta. Agora, só pareceu certo. Eu amo você. Obrigada por me salvar. — eu segurei sua mão na minha, acariciando os nós dos dedos. — Uau, você tá com mais cara de idiota do que o normal. — ela riu, quebrando o clima com suas piadinhas de sempre. Mas não dessa vez. 

Eu empurrei ela pro chão, ficando em cima de sua cintura. Nossos lábios a centímetros. 

Lágrimas caíram dos meus olhos em seu rosto. Ela ergueu a mão pra acariciar minha bochecha. O sorriso nunca deixando seus lábios. 

— Por que você me ama, Senhorita Edwards? 

Era Louise perguntando. E bem, eu acho que eu teria que descobrir

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"O que faço hoje é muito, muito melhor do que tudo que já fiz. E a paz que tenho hoje é muito, muito maior do que a paz que jamais conheci."

— Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens

Fim.





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Obrigada por tudo gente.
Estou encerrando mais um ciclo e pelo amor que tenho a essa história, não conseguia pensar em abandoná-la.
Espero que descubram os motivos pelos quais voces amam e são amados.

♡ Xoxo ♡

they ask me why I love her ▶▶pesy Onde histórias criam vida. Descubra agora