Prefácio

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Ela virou as cartas, uma atrás da outra, no tecido roxo

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Ela virou as cartas, uma atrás da outra, no tecido roxo. As bordas estavam gastas como cartas de baralho, os desenhos eram opacos como se tivessem sido muito esfregados, por inúmeros dedos, mãos e anéis. Ela segurou uma vela com seus dedos magros e a colocou no canto da mesa. Nada segura essa vela, ela pensou, quem sabe um vento da janela jogue a vela sobre o tecido, incendiando a madeira. Quem sabe as chamas não possam lamber o tecido roxo, desde o brocado até as bordas douradas, se estendendo por fim até o tapete vermelho, as manchas negras do papel de parede crescendo até que ele caísse em pedaços chamuscados em cima dos livros, que queimariam com uma rapidez impressionante, suas palavras nunca mais lidas, apenas esquecidas, consagradas à essa divindade do fogo. Enquanto ela imaginava, a cera da vela derreteu de forma simétrica, uma única lágrima pendendo da lateral cilíndrica. Nada segura essa vela, ela pensou, mas certamente ela não vai cair.

As cartas na frente dela viradas para baixo pareciam guardar um segredo, uma mensagem, que ela não queria ouvir. Algo que mudaria a vida para sempre. Elas eram irreconhecíveis. Ninguém seria capaz de adivinhar o que se escondia embaixo dos versos, não havia nenhuma dobra, nenhuma tinta, nenhuma carta repetida como num truque de mágica barato. Todas as cartas eram iguais, ela pensou, então se eu não levantar nenhuma delas, nunca saberei do que se trata. O aviso, seja ele qual for, nunca será dito e nunca será ouvido, apodrecendo para sempre dentro da loja. Talvez a vela caísse e tudo tivesse um fim trágico. Ela precisava apenas embaralhar as cartas de novo, e elas perderiam todo o significado. Ela poderia derrubar a vela, ela pensou, e tudo teria o fim que ela queria. Mas infelizmente, as cartas nunca queimariam. Seria como uma cena sobrenatural, um policial novo e descuidado indo analisar o incêndio criminoso, encontraria as cartas em cima das cinzas da mesa, perfeitamente intactas e viradas para baixo. Mas uma das cartas estava arranhada, ela percebeu. A carta do meio estava marcada, e não importava mais quantas vezes ela embaralhasse todas elas, a carta do meio estava arranhada. Seu destino tinha sido traçado e medido pelas moiras, e o seu fio que nunca erra, acertou a carta como um chicote, e agora ela estava arranhada. Não havia então o que fazer, ela precisava ouvir. Com um movimento rápido ela virou a carta e olhou o que sua vida trazia para ela. Então finalmente, carregando o peso de toda a sua vida nas costas, ela se levantou e foi embora, para nunca mais retornar.

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