Sobre café frio com gosto de meias

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Primeira parte

Meredith





Quando finalmente coloquei os pés em Boston a minha primeira atitude foi respirar todo o ar a minha volta, só assim para eu ter a certezas que estava de volta.

É estranho alguém desejar sentir o ar poluído e o estresse de uma grande cidade como Boston, mas faz algum tempo que descobri que essa pequena atitude conseguia controlar a descarga de dopamina em meu cérebro.

3 dias longe parecia ser um período de férias para aquela confusão interior que eu vivia, mas não o foi. Aqueles dias pareciam nunca ter um fim, tudo era mais sufocante quando eu não estava perto dela.

Justamente por isso que dirigi diretamente para o departamento de polícia; precisava vê-la, ouvir sua voz rouca, sentir o seu perfume, eu precisava daquilo que Addison despertava em mim, eu precisava daquilo antes mesmo de pensar em voltar para a minha rotina.

Eu sei, parece loucura ainda mais se tratando de alguém como eu. Veja, nunca fui do tipo que se atraí por mulheres, sempre nutri uma grande admiração por elas, mas atração era algo inexistente. E de um momento para outro, aquela linha entre admiração e desejo foi cruzada e eu não sei como, mas cruzei essa maldita linha juntamente com que não devia.

Já era tarde para achar explicações, eu desejava Addison como quem deseja água após dias perdidos em um deserto e para meu desespero, ela nem ao menos tinha consciência sobre essa minha sede.

Quando finalmente cheguei ao departamento, caminhei diretamente para a lanchonete, sabia que naquele horário ela estaria lá com seu copo de café e a face coberta pelo sono, e como esperado a avistei ocupando uma das mesas.

O que passou pela minha cabeça naquele breve segundo? Absolutamente nada, foi o vazio mais prazeroso que senti em toda a minha vida.

Ela está lá sob uma luz qualquer enquanto as pessoas iam e viam preenchendo o lugar com sons, e de repente ela sorri olhando o seu copo de café.  Tenho certeza que me perdi por um minuto ou até dois já que parei para avistar tudo de longe; vi aquele mesmo terno que ela usava, vi os cachos indomáveis de seus cabelos ruivos e a forma de segurar o copo de café como se fosse alguma cruz, e ao mesmo tempo em que minha mente esvaziava meu coração gritava com a ansiedade fazendo o meu sangue correr mais rápido. Suspiro sentindo a ardência em meu rosto era algo parecido com uma febre, à febre que Addison Montgomery me causava.

Talvez você possa pensar que isso seja algo péssimo e ruim de sentir, mas garanto que não havia nada que eu mais desejasse neste mundo, eu me acostumei em sentir aquela febre, eu gostava daquela febre. Aproximei-me sorrindo como uma criança em um dia de verão e de repente todo aquele calor que se apossava do meu interior se esfriou quase completamente. Vi seus dedos finos entrelaçados a dedos grandes e masculinos.

Como não percebi o homem sentado ao lado dela e os gestos de casal entre eles? Tentei recuar, mas já era tarde, Addison me viu juntamente com seu acompanhante cujo rosto eu conhecia muito bem.

"Veja quem voltou antes do esperado!" Ela disse sorrindo abertamente em minha direção. "Sabia que não ia aguentar por muito tempo a vida lá, cucaracha."

"Você sabe que lá cucaracha significa barata, certo?" Tentei me manter calma mesmo sabendo que seria algo impossível.

"Não, eu não sabia. Agora imaginei uma barata usando um sombreiro." Ela sorriu abertamente antes de tomar mais um gole de café. "Foi por isto que voltou mais cedo? Viu uma barata com um sombreiro?"

"Que?... Não há a mínima possibilidade de uma barata usar um sombreiro, Addison."

Ela riu da confusão estampada em minha face.

"É, acho que não. Seja qual for o motivo, fico feliz que voltou."

Seus olhos se voltaram para os meus de uma forma tão suave que por impulso acabei desviando os meus olhos quebrando o contato visual e me concentrando no homem ao seu lado.

"Olá, Jake."

"Olá Meredith, você está um pouco pálida para alguém que acaba de voltar da cidade do México, os dias não estavam tão ensolarados assim." Jake Reilly falou meio sem jeito.

"De fato, não estavam."

Levo uma das minhas mãos ao meu rosto e percebo que todo aquele calor de outrora havia me abandonado. É involuntário, não consigo mentir já que meu próprio corpo me entrega, e tanto Addison quanto Jake permaneciam me olhando percebendo claramente que algo estava de errado comigo. Foi neste momento, para a minha sorte, que o celular de Addison começa a tocar roubando toda a atenção para si; ela o atende e após alguns segundos ela desliga.

"Espero que você tenha aproveitado a sua reunião de nerds e que tenha me trazido uma ótima lembrança a base de álcool, porque tenho a sensação que vou precisar." Suspirou antes de levantar da cadeira.

"Era um congresso não uma reunião, sabe? Congresso onde cientistas e acadêmicos se reúnem para mostrar seus trabalhos e novidades no ramo da patologia."

"Continua sendo uma reunião de nerds, Meredith. Aliás isto parece estar mal, quer vir junto para dar uma olhada?" Ela me encarou com uma sobrancelha erguida.

"Antes preciso avisar o Cavanaugh sobre minha volta."

"É! Faça isso que vou continuar tomando meu café frio com gosto de meia velha."

E antes mesmo de eu sair vi quando ela sentou novamente ao lado de Jake sorrindo para ele como uma adolescente apaixonada, algo que nunca presenciei.

Tenho que admitir não me lembro de as coisas estarem tão ruins como agora.


. . .


O sol ainda estava alto enquanto dirigíamos direto para a cena do crime. Ouvia as batidas leves do indicador de Addison no volante ao mesmo tempo em que o som contrastava com a voz vinda do GPS. Para piorar, Montgomery ainda fala sobre algo, que para mim, era totalmente sem importância. Eu fingia que ouvia suas palavras, mas só conseguia me concentrar nos meus próprios pensamentos sobre o que vi na lanchonete.

"Então, o Jake voltou. Veio para uma daquelas missões confidenciais?" A interrompi fazendo com que direcionasse brevemente o olhar para mim.

"Na verdade, eu não faço ideia do motivo dele ter vindo." Ela respondeu, voltando sua atenção para a avenida. "Ele chegou de repente e como o esperado, não me disse o que veio fazer."

"E você está bem com isso?"

Addison sorriu, não apenas os seus lábios se dobraram, mas seu rosto inteiro sorriu.

"Estou bem Meredith, digo estamos bem."

"Por enquanto." Murmurei, mas mesmo assim, ela conseguiu ouvir minhas palavras e direcionou novamente o olhar surpreso para mim antes de estacionar o carro. "Quanto tempo você acha que ele vai ficar desta vez?"

"Ora não sei, e por que raios você está perguntando isso?" Addison desprendeu-se do cinto, mas ainda assim permaneceu sentada olhando para mim com a testa franzida.

"Porque quando ele voltar para Washington, quem vai colocar os seus pedaços no lugar sou eu!"

"Mas que merda você está falando, Meredith? Se tiver algum pedaço para colocar no lugar isso é problema meu, não acha?"

"Tem razão." Virei-me bruscamente, apanhei minha maleta antes de abrir a porta do carro e colocar os pés no chão asfaltado. Addison ainda permanecia com o olhar sobre mim, como se estivesse procurando o que há de errado.

Mas apenas eu sabia o que havia de errado.

"Não posso fazer nada só esperar ele te machucar de novo." Falei fechando a porta do carro. Ouvi-a suspirar rendida antes de saltar do veículo e caminhar em minha direção.

"Meredith, por acaso você não está..."

O Elixir | MEDDISONOnde histórias criam vida. Descubra agora