NA SEGUNDA-FEIRA, SIGO o combinado à risca. Como sabia que teria que caminhar até a escola – uns bons vinte minutos de percurso –, acordo um pouco mais cedo do que tenho costume para me arrumar. Tinha ondulado o cabelo na noite anterior com o babyliss, e até que tinha ficado meio descolado, meio amassadinho tipo as garotas faziam na internet. Um ótimo cabelo-de-segundo-dia. Prendo a franja do lado esquerdo com fivelas coloridas.
Capricho na maquiagem e até passo um pouco de perfume, lembrando-me de como o olfato é um sentido poderoso quando o assunto é impressionar alguém de nosso interesse.
Vide o cheiro do sabonete de Martin e seus efeitos de longo prazo nos meus neurônios: eu ainda estava pensando a respeito, mesmo após uma boa noite de sono, e cinquenta lembretes mentais de que eu detestava ele.
Como acertado, digo ao meu irmão que não tomaria o ônibus escolar porque estava precisando dar uma caminhada e espairecer. Ele me perturba pela duração completa do café da manhã, querendo saber o que havia de errado e se oferecendo para caminhar comigo se eu precisasse desabafar.
Péssimo momento para ser fofo, Hádria Moreau.
Acabo convencendo-o de que era coisa de garota, e ele se desinteressa rapidamente, mantendo apenas uma leve suspeita em seus olhos.
Zizi também espia por cima do jornal que lia no tablet – o Le Monde, afinal, até as notícias minha irmã gostava de ler em francês –, e sua testa estava enrugada. Com certeza ela me faria alguma pergunta a respeito depois.
Ótimo. O plano de Martin era justamente gerar uma dúvida razoável.
Coloco a mochila nas costas, calço meu par de tênis All Star favorito, o de cano médio e azul claro, e saio um pouco antes do horário que deveríamos tomar o ônibus. Ainda está cedo, e o ar da manhã tem um frescor gostoso. O sol ainda não está tão alto.
Se eu não estivesse de fones de ouvido, teria escutado as rodas do skate de Martin enquanto ele passava por mim. O garoto para poucos metros à minha frente, descendo no skate e segurando-o. Ao contrário da noite anterior, ele tinha voltado a se fantasiar do seu personagem de rockstar adolescente. Em vez do All Star preto de sempre, hoje ele está calçando um Vans quadriculado.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, me livrando dos fones.
— Bom dia, Moreau — ele diz, em um tom sugestivo que acusa a minha falta de educação. De má vontade, respondo:
— Bom dia.
O canto esquerdo da sua boca se curva com um sorriso irônico que me dá nos nervos. Não reajo. Martin, dentro de alguns dias, será meu namorado. Ao menos, é isso que as pessoas vão pensar. Preciso me lembrar de não revirar os olhos para ele toda santa vez.
— Eu disse que iria caminhando para a escola — ele explica, depois de se satisfazer com a minha vergonha.
— Não. Você disse que diria a Hádria isso.
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A lista de clichês
Novela JuvenilAurora Moreau se autodiagnosticou como uma romântica incurável logo após o seu primeiro contato com uma história de amor ficcional. Desde então, consome incessantemente livros de romance, fanfics, filmes, séries, todo o tipo de mídia que conte a his...