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Mateus

Respirei fundo e olhei meu reflexo no espelho de corpo todo no guarda-roupa escuro. Não sabia que roupa usar, então na dúvida coloquei uma calça jeans escura, camiseta preta e tênis branco. Olhei as horas no relógio em meu pulso e entrei em pânico. Faltavam vinte minutos, e eu ainda não tinha saído de casa.

Claro que foi Pedro quem conseguiu esse encontro pra mim, mas eu e Maria Júlia conversamos todos os dias até hoje. Ela tinha passado seu endereço, então coloquei no GPS e dirigi ansiosamente até ela.

A casa era de um único andar, com paredes amarelas e um portão preto. Buzinei uma vez e esperei. O portão de ferro se abriu, e eu desci do carro para encontrá-la.

— Boa noite! Você está linda! — Sorri para ela e lhe entreguei a flor que tinha comprado. Maria Júlia usava um vestido preto que chegava quase aos seus joelhos, e seus cabelos estavam trançados por sobre seu ombro direito.

— Obrigada Mateus, você também está bonito. — Ela sorriu quando pegou a flor.

Abri a porta do carona para ela, e me sentei no banco do motorista.

— Só trouxe essa rosa, por que não sabia de que flor você gostava. — Liguei o carro e o redirecionei para a rua.

— Não tenho uma preferida, na verdade. Nunca ganhei flores antes, muito obrigada.

— Sério? Nenhuma flor? — juntei as sobrancelhas.

— Infelizmente os caras com quem sai nunca se importaram em me dar flores. Ou qualquer outra coisa.

Fiquei em silêncio, não sabia exatamente o que ela queria dizer com isso.

— Para onde vamos? — Seus olhos iam de mim para o trânsito a frente.

— Para um restaurante novo que abriu aqui no centro, já estamos quase lá.

Ela apenas concordou, e voltou a ficar em silêncio. Quando chegamos no lugar, estacionei e abri a porta para ela.

— Que cavalheiro. — Sua risada saiu como uma leve brisa.

Apenas sorri. Atravessamos a porta de vidro e falei à recepcionista que tinha uma mesa para dois.

O restaurante estava lotado, com muitos casais e algumas famílias. O ambiente era barulhento e cheirava a lavanda. A mulher nos levou até uma mesa no fim do estabelecimento, e se retirou.

Nós nos sentamos e olhamos o cardápio.

— Nossa, não faço ideia do que pedir. — Ela foleou as páginas.

Notei que sua postura estava rígida, e que o ar calmo tinha deixado seu rosto.

— Você não parece confortável. — Deixei o cardápio de lado e a olhei com atenção.

— O que? Ah não, estou apenas em dúvida do que pedir.

— Não peça nada, vamos para outro lugar. — Agora foi a vez dela me olhar. — Estou falando sério, se você não quer ficar aqui, vamos embora. E eu não preciso saber o motivo disso.

Um garçom se aproximou, pronto para anotar nosso pedido. Sustei o olhar que ela me lançava, até que ela balançou a cabeça.

— Desculpe, mas já estamos de saída.

O homem não disse mais nada, e foi em direção a outra mesa.

Saímos do restaurante em silêncio e quando entramos no carro, me virei para olhá-la.

— O que você acha de um filme? — Perguntei, tentando descobrir se ela ainda queria sair comigo. — Tem um romance clichê que saiu essa semana, topa?

— Eu topo!

**

Compramos dois baldes de pipoca e refrigerante antes de entrarmos na sala. Por sorte chegamos quando ainda passavam os trailers. Nos sentamos em duas cadeiras, uma ao lado da outra no fundo da sala. Aquela sessão estava lotada.

O filme acabou uma hora e meia depois, e os olhos de nós dois estavam vermelhos e inchados pelo choro.

— Não acredito que você chorou — Ela riu e empurrou meu ombro na saída do cinema.

— Eu só chorei porque o cachorro morreu, ok?

— E também porque o personagem principal morreu.

— Talvez você esteja certa.

Ela sorriu e eu retribuí o gesto.

— Tive uma ideia. — Parei de andar e me virei para ela. — Você precisa voltar para a casa quando?

— Meia noite.

— Ainda são dez e meia, então dá tempo de fazermos uma última coisa.

— Que coisa?

— É surpresa.

De volta ao carro, não respondi a nenhuma de suas perguntas e continuei a dirigir, dessa vez para longe da cidade. Quando chegamos em um parque cheio de árvores, estacionei.

— Por que me trouxe aqui?

— Calma, não vou te machucar — Sorri pra ela e desliguei o carro. — Vamos ver as estrelas.

Nós dois deitamos na grama gelada e olhamos para o céu estrelado.

— Uau!

— É lindo né? A poluição da cidade não deixa elas aparecerem.

— Você não parece ser do tipo que gosta das estrelas. — Sua cabeça virou em minha direção. Estávamos a uma distância, de braços abertos.

— Eu gosto. Também gosto de outras coisas que nem mesmo meus amigos sabem. Pesquiso sobre muita coisa também, nunca falo sobre isso.

— Por quê?

— Eu não sei. Acho que porque eles me conhecem a anos, e talvez se contasse todas essas coisas, mudariam a forma como me veem.

— Eu acho que isso só faria eles gostarem mais ainda de você.

Ficamos em silêncio, com ela ainda me olhando. Estiquei o braço e apontei um dos pontinhos brilhantes no céu escuro.

— Aquele pontinho ali, é Júpiter.

— Por que ele tem esse nome?

— Vem da mitologia romana, que vem da grega. Júpiter é o equivalente a Zeus, deus supremo dos céus e senhor dos raios.

— Todos os planetas têm nomes de deuses?

— Sim. E não só os planetas, e também não só nomes de deuses. — Examinei o céu com atenção e apontei para a forma que as estrelas faziam. — Aquelas estrelas ali formam a constelação de Hércules.

— Já ouvi sobre ele.

— Um dos semideuses filho de Zeus mais conhecidos. Ele virou um deus também.

— E o que mais você faz?

Olhei para ela, que sorriu.

— Eu pinto nas horas vagas, e ajudo minha mãe na cozinha.

— Eu sempre quis pintar, mas não tenho talento.

— É preciso treino. E você, o que faz?

— Bom, tenho dois empregos e estudo a noite.

— Sério? Nada de diversão?

— Nadinha. Nas minhas horas vagas leio um livro ou cuido da minha irmã mais nova.

**

Conversamos tanto que nos esquecemos da hora, e quando demos conta, já eram onze e quarenta.
Parei em frente a casa dela, e a olhei.

— Está entregue, senhorita.

— Obrigada pela noite, pelo papo e pela carona. E me desculpe pelo restaurante.

— De nada, e não precisa se desculpar.

Ela soltou o cinto e abriu a porta, mas antes de descer, se virou de novo para mim.

— Eu não costumo fazer isso no primeiro encontro, mas você foi tão gentil e divertido, que posso abrir uma exceção.

— O quê? — Foi a última coisa que saiu da minha boca, antes que a dela grudasse na minha.

Demorei alguns segundos para compreender e reagir. Retribuí o beijo com a mesma intensidade que ela, e sua mão foi para minha nuca, aprofundando mais o beijo. Passei minhas mãos pela cintura dela, mesmo na posição desconfortável.

O beijo acabou depois de um certo tempo, e ela sorriu novamente.

— Boa noite, nós mantemos contato.

Ela saiu do carro e eu fique paralisado um tempo, sem acreditar naquilo. Meu coração espancava meu externo e meus lábios formigavam.

Dirigi de volta pra casa e não consegui parar de pensar naquele beijo, e em como a noite tinha sido especial. Nenhuma outra menina que beijei, tinha se encaixado tanto como ela.







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