Depois de passar a noite inteira acordada, finalmente vejo a luz solar adentrando ao quarto pela pequena janela no canto do aposento. A cortina é tão fina que é como se estivéssemos no meio da rua, cara a cara com o sol.
Fico alguns minutos ainda deitada, afastando mentalmente todo o desgaste de uma noite não dormida. Acredito que até o fim do dia seja possível chegarmos dentro da corte de Francisco. Não sei o quão longe estamos de lá agora, mas algo me diz que dormir nas celas do palácio é melhor do que essa estalagem, e rezo para que uma noite como essa não se repita.
Me sento na cama e encaro os três homens ainda dormindo no chão. Como podem continuar um sono tranquilo com tamanha luminosidade no quarto?
Levanto com calma à passos silenciosos e caminho até a porta. Sinto que se eu permanecer mais um minuto nesse quarto posso enlouquecer. Desço as escadas da taverna e caminho até o balcão, onde o velho homem da noite anterior me olha com olhos desdenhosos.
— Você possui algum tipo de comida por aqui? — pergunto, usando a voz mais complacente que tenho.
— Você acha que esse local é a corte, minha jovem? — ele fala rindo de forma sarcástica.
— Consigo perceber pela estética decadente que não. — digo, virando as costas para ele, farta de sua grosseria. — Ademais, meu caro senhor, uma boa educação e hospitalidade são valores que até os menos avantajados devem ter.
Quando estou quase subindo as escadas, ouço sua voz atrás de mim.
— Temos pão e água, isso lhe agrada?
Meu estômago já se agita com suas palavras, acho que nunca senti tanta fome na vida. Por mais que quisesse desdenhar de sua oferta, meu corpo não me perdoaria.
— Eu adoraria. — Respondo, já de frente para ele novamente.
O homem me olha por alguns segundos antes de gritar algumas palavras que não entendo. Uma mulher com um avental tão encardido quanto este chão que estou pisando sai da porta atrás dele em passos rápidos. Em suas mãos, ela traz uma bandeja de madeira, que possui um prato com alguns pães em cima, e o que parece ser um pouco de sopa. Também há um copo, e para a minha surpresa, uma colher.
— Quanto isso vai me custar? — digo apreensiva, me lembrando que não havia pegado nenhuma moeda na bolsa de Lauren antes de descer.
— Para você, nada. — diz a mulher, com um inglês carregado.
Finalmente alguém que fale um inglês compreensível. Pelo sotaque, parece que veio do norte da Inglaterra.
O homem estava prestes a retrucá-la, mas ela o encara em um olhar penetrante. Seu rosto se fecha na hora, e ele se senta emburrado, voltando com sua postura arrogante. Antes que eu pudesse perguntar como e por qual motivo veio para a França, ela retorna para o cômodo de onde saiu, mas antes, me lança uma piscadela. Sei que a conversa acabou por aqui, então pego a bandeja e me dirijo a uma das mesas livres na taverna.
Se me perguntassem agora, diria que esta é a melhor refeição que já comi na vida. Obviamente, não pelo sabor, mas sim, pelo momento oportuno. Acho que perdi totalmente os modos, talvez esteja em meio a um lapso de memória, mas deixei de lado toda a educação e feminilidade, pois devorei essa sopa como se fosse minha última refeição.
Na corte, nunca comi nada que não tivesse sido provado. O medo de ser envenenado fazia com que o rei se assegurasse a todo momento de que nada que ingeríamos poderia estar com alguma substância. Hoje, vivendo como uma ninguém, tal coisa nem me passa mais pela cabeça, e comeria até uma pedra se esta tivesse um gosto tolerável.
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Castle Walls - Camren
RomanceA dinastia Estrabão está governando a Inglaterra em meados do Século XVI. Com problemas no tesouro real, a Princesa Camila é prometida para um Príncipe Francês, um dos países rivais da Inglaterra, visando a paz e o reestabelecimento das verbas reais...