PRÓLOGO

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- Está pronta, querida? - minha mãe perguntou aparecendo na porta do meu quarto

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- Está pronta, querida? - minha mãe perguntou aparecendo na porta do meu quarto.

- Só mais um minuto - falei, terminando de passar o rímel. - Pronta!

- Então vamos. Seu pai e seu irmão já estão nos esperando no carro.

Dei a mão para ela, que nos guiou até a garagem. Assim que entramos no carro, vi Gabriel lutando contra o cinto de segurança enquanto meu pai o ignorava.

- Está linda, princesa - o mais velho se dirigiu a mim.

- Obrigada, pai.

Toda sexta feira saíamos para jantar em família, era uma tradição gostosa de se seguir. Embora minha mãe vivesse reclamando que aquilo acabava com a dieta dela, todos nós sabíamos que não era o jantar de sexta que a atrapalhava. Bem, talvez Gabriel não soubesse. Com apenas dez anos, meu irmão tinha outras preocupações.

Chegamos no novo restaurante que tinha aberto na cidade e meu pai logo deu o sobrenome para a reserva. O lugar era bem organizado, nada muito luxuoso, mas tão bem planejado que parecia chique.

- O que vocês vão querer? - papai questionou.

- Lasanha - respondi ávida.

- Oh, por Deus, já comemos lasanha essa semana - virou-se para meu pai. - Peça uma salada, querido.

- Hambúrguer! - meu irmão gritou batendo as mãos na mesa.

Meu pai riu e continuou passando as páginas do cardápio. Ele sabia que não entrariamos em um consenso e, como sempre, ele teria que escolher nossa refeição.

- Vou pedir espaguete. Todos de acordo?

Mamãe deu de ombros infeliz e meu irmão começou a chorar, enquanto eu me contentei com um simples "sim".

- Gabriel Peterson, se você não fechar esse bico em três segundos eu juro por tudo que é mais sagrado que jogo todos os seus brinquedos no lixo! - minha mãe ameaçou com a voz grossa, mas baixa o suficiente para não causar escândalo.

Meu irmão, automaticamente, se calou. Mesmo com tão pouca idade ele sabia da veracidade das palavras de nossa mãe. Todos na mesa sabiam.

Jantamos em meio a uma conversa confortável. Muitos adolescentes da minha idade faziam o possível para afastar os pais, já eu amava estar com os meus. Eu poderia dizer que a minha família era perfeita, mas Gabriel era um caso a parte. Não era culpa dele, eu sabia, afinal era só uma criança e eu tentava me lembrar disso toda vez que ele me irritava.

Estar com eles, conversar com eles era acolhedor. Seguro. E desde pequenininha eu gostava de estabilidade, de saber exatamente onde eu estava pisando. Então, para mim o amor deles era a coisa mais valiosa que eu tinha.

...

- É uma viagem rápida. Em dois dias estaremos de volta - meu pai explicou.

- Tem comida na geladeira suficiente para uma semana inteira, não se preocupe - mamãe completou.

Os dois saiam carregando suas malas até o carro. Papai foi chamado para uma reunião de negócios muito importante em outro estado e a presença de nossa mãe havia sido requisitada.

- Você sabe onde tem dinheiro, não sabe? - assenti. - Ótimo. Só por segurança.

- Eu não gosto quando vocês viajam assim - resmunguei.

- A verdade é que você não gosta de cuidar do seu irmão. Não pense que não te conheço!

Gargalhei quando meu pai fez cócegas em meu pescoço, mas logo parou e me puxou para um abraço apertado.

- Eu te amo.

- Eu também te amo. Muito - retribui.

- Vem cá, querida - minha mãe me puxou e deixou um beijo na mina testa. - Não se preocupe. Estarei aqui para te levar para a escola na segunda.

- Tudo bem.

Ela me abraçou e depois foi abraçar Gabriel, que estava agarrado ao meu pai na porta de casa.

- Cuide dele! - foi a última coisa que gritaram para mim antes de partirem.

Segurei a mão de meu irmão e o puxei para dentro, trancando a porta.

...

- Gabriel, larga isso! - gritei correndo atrás da pequena peste que largaram comigo.

- Não. É meu!

- O escambal que é seu!

O alcancei e retirei o vidro de gloss que ele segurava. Hiperativo do jeito que meu irmão era, logo pulou para o sofá e ligou a televisão. Bufei e segui para a cozinha.
Praguejava mentalmente sobre ter que aturar aquela criatura, que por vezes parecia possuída, enquanto preparava um lanche quando o ouvi gritar.

Não dei atenção. O que Gabriel mais fazia era gritar por nenhum motivo aparente. Passei pasta de amendoim nos dois sanduíches e peguei os sucos que havia preparado, estava pronta para levar até a sala, mas meu irmão apareceu bem na porta da cozinha.

Os olhos repletos de lágrimas.

- O que foi? Tem uma barata? - questionei.

- Era o papai e a mamãe, Ame.

- Eles ligaram? - ele negou. - O que foi, Gabriel? Você está me deixando nervosa!

Ele pegou minha mão e me arrastou até a sala, apontando para a televisão. Prestei atenção na reportagem e senti meu estômago embrulhar.
Era sobre um avião que caiu no caminho do Rio de Janeiro até Brasília e entre os mortos, as fotos dos meus pais apareciam.

Por cinco segundos, o ar me escapou. Tudo a minha volta parecia girar e eu me senti bamba. Dormente. Soltei minha mão da de Gabriel para secar o rosto e então me liguei.

Gabriel.

Olhei para o meu irmão que com apenas dez anos de idade estava sabendo da morte dos pais da pior maneira possível. Então eu soube que eu não podia cair ali.

Minha mente rapidamente processou que, se nos achassem, levariam Gabriel e eu para orfanatos e talvez não fosse o mesmo. Me lembrei do pedido de meus pais para que cuidasse dele e decidi que não iria deixar que o levassem para longe de mim. Ele era apenas uma criança. Precisava de mim.

Me abaixei sobre os joelhos e segurei seus ombros.

- Olha para mim. Só para mim - pedi. - Eu quero que você seja forte agora. Pode fazer isso por mim?

Ele assentiu com a cabeça algumas vezes e eu subi as escadas correndo. Primeiro para o quarto dele. Peguei a maior mochila que achei e coloquei o máximo de roupas dele dentro, junto com os documentos e todo o resto essencial. Depois fui ao meu quarto, separei apenas a maior parte de roupa que eu consegui e os meus documentos também. No quarto dos meus pais, peguei todo o dinheiro que eles guardavam nas gavetas e coloquei em minha mochila, junto com a jaqueta de couro preta de minha mãe.

Com as duas mochilas nas costas e o máximo de coragem que eu consegui reuni, peguei a mão de Gabriel e o tirei daquela casa. Não tinha nenhum destino em mente, mas sabia que não podia continuar ali ou nos encontrariam.

Faltavam apenas três anos para eu fazer dezoito. Eu tinha que conseguir fugir por apenas três anos.

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